Com as ruas transformadas em furiosos rios que arrastaram tudo ao seu redor, os moradores da região espanhola de Valência foram pegos de surpresa pelas mortais inundações que semearam o caos na noite de terça-feira (29), deixando até o momento quase 100 mortos.

“Eu estava saindo para deixar meus netos na outra rua e eram 7h10, e quando fomos para a varanda vi que a água entrava por aqui”, conta emocionado à AFP Francisco Puente, de 69 anos, apontando para a rua onde apenas horas antes descia uma enxurrada descontrolada.

Este aposentado, que vive em Sedaví, na região metropolitana sul de Valência, mostra a marca marrom deixada pela água, acima de sua cabeça, na noite anterior.

Sua voz treme ao ser perguntado se já tinha visto algo assim. “Nunca!”, responde com os olhos marejados.

As ruas de Sedaví, um município de 10.000 habitantes, estão cobertas de lama. Os carros estão empilhados e vazios nos cruzamentos, com os vidros quebrados, muitos tombados com as rodas para o céu e cercados pela terra marrom que os arrastou na fatídica noite de terça-feira.

Alguns vizinhos tentam limpar as calçadas de suas casas.

Outros tiram baldes de água dos garagens e porões, um tipo de moradia muito comum nesta área de Valência. A comunidade cresceu ouvindo as histórias da grande enchente de 1957 que inundou esta cidade mediterrânea, mas acreditava ser algo do passado.

“Eu nunca pensei que viveria isso”, diz Eliu Sánchez, com as botas cheias de lama, enquanto tenta limpar a entrada de seu prédio. Ainda perplexo, este eletricista de 32 anos conta como, após um dia em que praticamente não havia chovido em sua área, saiu para a varanda de seu apartamento e viu as ruas de entrada da cidade transformadas em uma maré cor de cobre.

“Eu sei que algumas pessoas faleceram. Vimos um jovem (…) que estava em cima do carro, parece que tentou pular para outro, mas foi levado”, explica, ainda sem acreditar.

– Às escuras –

Do outro lado da ponte, no bairro de La Torre de Valencia, os vizinhos fazem fila sobre a lama para encher seus galões em um jato d’água no meio da rua. Sem água e sem eletricidade, o sol começa a se pôr e eles se preparam para mais uma noite de angústia.

“Não temos água, não temos nada. Nem luz, nem água, nem nada”, lamenta Julián Ormeño, um aposentado de 66 anos.

Como muitos dos vizinhos que fazem fila diante desta fonte improvisada, ele lamenta a falta de proteção que dizem ter sentido nas primeiras horas dessa tragédia, que já é a pior inundação em décadas aqui.

“Ninguém veio dar a cara”, lamenta. “Soaram o alarme quando a água já estava aqui, não precisa me dizer que a enchente vem”, critica.

Algumas ruas abaixo, no município vizinho de Benetússer, os moradores também não conseguiam entender como o desastre ocorreu nesta área, que foi surpreendida justo na hora em que muitos voltavam do trabalho ou faziam compras.

– “Perderam tudo” –

A devastação nesta próspera província do leste da Espanha, onde até o momento mais de 90 pessoas morreram, é enorme. A cerca de 30 quilômetros está a localidade de Ribarroja do Turia, onde José Manuel Rellán lembra o pesadelo vivido na noite anterior.

“Estamos incomunicáveis, não se pode acessar a parte do vilarejo. As estradas estão todas cortadas, pontes cortadas, podem ter desaparecido”, afirma à AFPTV.

“Choveu sem parar por 10 horas (…) Há localidades que tiveram 500 litros por metro quadrado em 12 horas. E o resultado é o que você vê”, indica este homem de 49 anos, apontando para a água misturada com lama ainda visível nas ruas de sua localidade.

Nesta localidade de 22.000 habitantes, as chuvas que caíram durante a noite provocaram o transbordamento do rio Turia e deixaram muitos moradores presos em seus veículos ou em suas casas.

“Tenho muitos amigos que perderam tudo. Perderam a casa, perderam os carros, perderam tudo. Minha fábrica está destruída, onde eu trabalho. É difícil porque você não sabe o que vai acontecer agora”, confessa Rellán, abatido.

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