Rio – A vida de Zilda Henrique dos Santos Leandro, de 31 anos, mais conhecida como Néia, nunca foi fácil. Natural do Rio de Janeiro, ela morava nas ruas de Niterói, onde trabalhava vendendo doces, enquanto aguardava um emprego formal. Usuária de álcool e outras drogas, tinha parentes na cidade, mas dizia que não podia ficar com eles devido a conflitos familiares. Na madrugada do último sábado, na Rua Barão de Amazonas, no Centro de Niterói, ela resolveu pedir R$ 1 para um homem que passava pela via.

Aderbal Ramos de Castro, de 43 anos, tentou se desviar de Néia, mas ela o acompanhou. Ele, então, sacou uma arma e disparou pelo menos duas vezes. Em seguida, saiu andando com o revólver na mão enquanto a vítima ficou caída no meio da rua, conforme mostram imagens de câmeras de segurança.

Uma testemunha que viu o crime, tentou socorrer a moradora de rua e acenou para um carro que passava, mas ninguém parou. Depois, Néia foi socorrida pelo Corpo de Bombeiros para o Hospital Estadual Azevedo Lima, mas não resistiu aos ferimentos. O agressor é dono de um comércio na região e foi preso anteontem à noite, mesmo dia em que Néia foi enterrada no Cemitério do Maruí, no Barreto.

A arma usada, um revólver calibre 38, foi apreendida. Segundo a Polícia Civil, Aderbal tem a posse, mas não o porte. Assim, não poderia andar armado na rua, apenas em casa ou local de trabalho. Ele não possui antecedentes criminais.

Responsável pelo caso, o delegado Bruno Reis, da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI), afirmou que Aderbal alegou ter reagido a uma tentativa de assalto. Mas a polícia não acredita na versão. “Pelo menos até agora a hipótese alegada de legítima defesa é fantasiosa. No depoimento, ele disse que não sabia nem se a vítima era homem ou mulher. Apenas que se assustou por achar que seria assaltado e atirou”, explicou.

Advogada diz que cliente teve medo

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Detido anteontem à noite, com mandado de prisão temporária por pelo menos 30 dias, Aderbal Ramos de Castro responderá pelos crimes de homicídio qualificado por motivo torpe e por porte ilegal de arma.

A advogada dele, Daniela Lopes, alegou que o cliente ficou com medo de Néia, pois carregava alto valor em dinheiro na bolsa. Ela, porém, não informou a quantia. “Não importa se foi R$ 1 ou não. O que importa era o que estava na bolsa. Ele já foi assaltado outras vezes naquela região e, por isso, reagiu”, argumentou.

 
“Ela (Néia) se aproximou dele, pediu esmola. Ele recusou e caminhou por mais meia dúzia de passos. Ela foi acompanhando, mas com certa distância e insistiu no pedido. Ele, de súbito, sacou o revólver e deu um tiro nela e seguiu como se nada tivesse acontecido”, explicou o delegado Bruno Reis. “Ele confirmou que mantinha a arma em casa, mas que, naquele dia, decidiu levá-la ao trabalho porque tinha medo de ser assaltado”, acrescentou o delegado. Aderbal é dono de uma lanchonete nas proximidades.

 
Dinheiro era para comprar pão

 
Irmã da vítima, que preferiu se identificar apenas como Carla, contou que Néia só pediu dinheiro para comprar pão. “Minha irmã só pediu R$ 1 para comprar um pão. Ele ficou de graça, dizendo que iria dar um tiro nela. Ela falou que duvidava e foi atrás dele. Foi quando esse indivíduo atirou. Perdi um pedaço meu, estou sentindo uma dor muito grande”, disse, ontem, na porta da delegacia.
 
“Tenho medo, esse cara é perigoso, tirou a vida dela por R$ 1. Minha irmã era uma pessoa boa, vendia os doces dela. Não pode ficar impune, ele tem que pagar pelo que fez, tirou uma vida. Se ele continuar na rua, vai tirar a vida de todos os moradores de rua que pararem perto dele e pedirem algo. É psicopata”, reclamou Carla, que pediu Justiça.
 
De acordo com a irmã, Néia voltava algumas vezes para casa. Da última vez, estava há três dias nas ruas de Niterói. “Era o jeito dela, virava e mexia, voltava para casa. Mas era uma menina boa, pode ver que em momento nenhum ela o agrediu. Peço sabedoria porque tenho dois filhos para criar e estou sem chão”,
desabafou, aos prantos.
 
Imagens da prefeitura identificam atirador
 
A Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos de Niterói informou que Néia era acompanhada pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, onde ela emitiu segunda via de seus documentos e recebeu encaminhamentos.
 
No fim de outubro, Néia foi acolhida no abrigo municipal Lélia Gonzales junto com o ex-companheiro, Alci. Ela, porém, deixou o local após brigas e disse que iria morar próximo ao irmão, na comunidade do Sabão, no Centro de Niterói. Néia aguardava agendamento da carteira de trabalho para buscar um emprego formal.
 
Identificação por câmeras
 
O autor do crime foi identificado pelo Centro Integrado de Segurança Pública, da Prefeitura de Niterói. Os operadores do sistema rastrearam Aderbal e passaram a localização à polícia. O sistema dispõe de 500 câmeras de monitoramento que, por meio de inteligência artificial, rastreiam veículos roubados e atividades suspeitas. Os chamados podem ser feitos pelo número 153, que é integrado ao 190.


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