Morador de rua chorou e colocou mãos na cabeça antes de ser executado por PMs no centro de SP

O morador de rua Jeferson de Souza, de 24 anos, chorou e colocou as mãos sobre a nuca antes de ser morto por policiais militares, na noite de 13 de junho, na região central de São Paulo. Ele foi atingido por três tiros de fuzil disparados à queima-roupa. A versão dos policiais, de que ele teria tentado pegar a arma de um deles, foi desmentida pelas imagens da câmera corporal de um dos policiais. Os dois PMs estão presos.

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) diz que repudia veemente a conduta dos militares envolvidos e que o comando da Polícia Militar, assim que tomou conhecimento das imagens, pediu a imediata prisão dos agentes.

Até a publicação deste texto, a reportagem do Estadão buscou contato com as defesas dos policiais, mas sem sucesso.

As imagens às quais a reportagem teve acesso, mostram quando os PMs Alan Wallace dos Santos Moreira, tenente da Força Tática, e o soldado Danilo Gehrinh revistam o homem que havia descido de uma árvore. Eles o levam para atrás de uma pilastra – um ponto sem câmeras de monitoramento – e o interrogam. Acuado, o homem senta-se no chão, O soldado Danilo usa a câmera do celular para tirar uma foto de Jeferson, escreve algo e encaminha a mensagem para alguns contatos.

O morador de rua se levanta e começa a chorar. Em seguida, ele segue as ordens dos policiais e se encosta na pilastra com as mãos na nuca. Ao seu lado, está o policial Alan empunhando o fuzil. Nesse momento, o policial que está com a câmera corporal põe as mãos sobre o equipamento e o vira para o lado. Na sequência, Jeferson aparece morto. Ele foi atingido por tiros de fuzil na cabeça, no tórax e no braço.

Outras viaturas da PM e uma do Corpo de Bombeiros chegam ao local depois. No vídeo, é possível ouvir conversas descontraídas entre eles. Um policial que chegou depois fala que precisa verificar as imagens da câmera do soldado, pois ela era monitorada pela Central de Operações da PM. A câmera corporal do tenente estava desligada.

Na versão registrada pelos PMs no boletim de ocorrência, os agentes afirmaram que Jeferson foi avistado descendo de uma árvore durante patrulhamento no trecho entre a Rua da Figueira e o Viaduto Antônio Nakashima, na região da Sé.

Durante abordagem, os policiais teriam constatado que o homem era procurado por estupro e agressão. E que, ao anunciarem que ele seria conduzido para a delegacia, Jeferson teria tentado pegar a arma de um dos agentes, o que teria motivado três disparos. O morador de rua havia se mudado de Alagoas para São Paulo havia 9 anos em busca de trabalho e não tinha antecedentes criminais.

Homicídio qualificado

No dia 22 de julho, a pedido do Ministério Público de São Paulo, a juíza Patrícia Álvarez Cruz decretou a prisão preventiva dos dois policiais. Na denúncia, o promotor Enzo Boncompagni aponta que a vítima foi executada por um dos policiais com três tiros de fuzil, “apesar de ele estar rendido e subjugado”. Segundo o promotor, o outro PM “aderiu ao propósito homicida de seu colega de farda e colocou a mão sobre a lente da câmera corporal no momento dos disparos para obstruir o registro da execução”.

Na decisão, a magistrada afirma que “os réus Allan Wallace e Danilo, policiais militares no exercício de suas funções, agiram impelidos por motivo torpe, deliberando matar o suspeito por mero sadismo e de modo a revelar absoluto desprezo pelo ser humano e pela condição da vítima, pessoa em situação de vulnerabilidade social”.

Nesta quarta-feira, 6, a justiça aceitou a denúncia do Ministério Público de São Paulo contra os dois policiais e eles se tornaram réus por homicídio qualificado. Segundo a decisão, o crime foi cometido com dois agravantes: motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima, que estava rendida e não ofereceu resistência.

A SSP informou que os dois agentes permanecem detidos no Presídio Militar Romão Gomes. O Inquérito Policial Militar (IPM) segue em andamento pela Corregedoria da Instituição. A PM reforça que é uma instituição legalista e jamais compactuará com qualquer tipo de excesso ou desvio de conduta por parte de seus integrantes, que responderão com rigor às instâncias disciplinares e judiciais competentes.