Quando Bubaraye Dakolo era criança, na década de 1970, podia facilmente pescar 20 quilos de peixes em poucos minutos no sul da Nigéria. Hoje, o pescador pode levar uma noite inteira para conseguir apenas três quilos.
Dakolo, monarca do reino Ekpetiama desde 2016, lançou uma batalha judicial contra a Shell depois que a gigante petrolífera anunciou no início do ano que estava cedendo seus ativos terrestres na Nigéria, sem limpar a contaminação que provocou.
O rei então abriu um processo na Justiça para exigir que a Shell limpe a contaminação que deixou e pague 2 bilhões de dólares (R$ 10,7 bilhões, na cotação atual) ao seu reino, localizado no estado de Bayelsa.
As comunidades agrícolas e de pescadores do delta do rio Níger, onde se concentra a produção de petróleo na Nigéria, foram as mais afetadas pela contaminação petrolífera que envenena o sul do país mais populoso da África há décadas.
Uma pesquisa realizada pela Comissão Petrolífera e Ambiental do Estado de Bayelsa e um grupo de especialistas internacionais concluiu em 2023, após quatro anos de investigação, que a limpeza do estado custaria 12 bilhões de dólares (R$ 64,5 bilhões, na cotação atual).
Bayelsa foi o local em que o petróleo foi encontrado pela primeira vez na África na década de 1950 e onde várias empresas, incluindo a Shell, operam há décadas.
“Eu mesmo tenho inúmeras provas de sua culpabilidade”, explicou Dakolo à AFP durante uma entrevista em Lagos, a cidade mais populosa e o centro comercial da Nigéria.
O monarca lembra como, quando criança, caminhava para a escola “sobre oleodutos expostos” que atravessam seu reino de 1,5 milhão de habitantes para evitar as estradas principais mais movimentadas.
– “Mortos vivos” –
O monarca de 60 anos, autor de cinco livros, publicou recentemente um com provas sobre o que classifica como “atrocidades” cometidas pelas empresas petroleiras no local. Ele cresceu vendo seu pai trabalhar em uma refinaria.
Estas petroleiras atribuem a maioria dos vazamentos de petróleo no delta do Níger a atos de sabotagem e vandalismo por parte de ladrões de petróleo.
O processo que o monarca apresentou contra a Shell terá uma audiência preliminar na quarta-feira.
Com sua ação, ele busca paralisar a transferência dos ativos da empresa para o consórcio nigeriano Renaissance, enquanto é estabelecido um acordo sobre o financiamento da limpeza ambiental, o desmantelamento de infraestruturas obsoletas e a indenização às comunidades.
“Eles devem vir e restaurar o meio ambiente (…). Não se pode vir destruir os lugares, ganhar todo o dinheiro e nos deixar sem nada!”, disse, indignado, citando estudos científicos que mostram a presença de hidrocarbonetos cancerígenos “em quantidades letais” no sangue dos moradores.
“Na verdade, somos mortos vivos”, lamentou o monarca.
A Shell declarou à AFP que a Renaissance é quem está encarregada do litígio. Este consórcio não respondeu às solicitações da AFP.
Dakolo insiste que seu processo é contra a Shell. “Eles estiveram em minhas terras durante cerca de seis décadas, destruíram-nas e desapareceram sem o devido processo”, afirmou.
Segundo os advogados, a empresa apresentará objeções preliminares na audiência de quarta-feira, que atrasarão a abertura do processo.
Para o monarca, isso faz parte de “uma estratégia de desgaste” e afirma que está determinado a continuar lutando.
“Se você é um chefe tradicional ou um líder e não defende o meio ambiente, então não está fazendo seu trabalho. Você deve isso a si mesmo, ao seu povo, à natureza e ao mundo, proteger o meio ambiente com todo o seu ser”, declarou.
Na semana passada, a Shell anunciou um investimento de 2 bilhões de dólares (10,7 bilhões de reais) em um novo projeto de gás em águas profundas na Nigéria, maior produtor de petróleo da África.