A tela mais célebre em todo o mundo tem dimensões modestas: setenta e sete centímetros de altura por cinquenta e três de largura. Foi pintada no início do século XVI por um dos grandes gênios que pisaram o planeta: o italiano Leonardo da Vinci, proeminente entre os criadores, não bastassem outras tantas coisas, também da técnica artística do sfumato. O nome da obra, claro, é Mona Lisa, que imortalizou sua personagem em um sorriso enigmático – sorriso pleno de silêncio e, ao mesmo tempo, de significados; sorriso que lhe vale o título também de La Gioconda (A Sorridente). Pois bem, são justamente o cenário e a misteriosa expressão que não deixam Mona Lisa em paz: de tempos em tempos brotam teorias sobre quem foi a mulher retratada e em qual local isso ocorreu. Agora acaba de surgir mais uma tese, dessa vez baseada em estudos científicos que nos fazem crer que poderá constituir-se na versão definitiva.

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Até o momento a hipótese prevalente dizia que a musa inspiradora de Da Vinci fora Lisa Gherardini, esposa do nobre comerciante Francesco Del Giocondo, que teria recompensado regiamente o pintor após ele retratá-la em um cenário com pontos emblemáticos da natureza da região da Toscana. A historiadora medievalista Carla Gori vem insistindo em outra linha de análise. Ela assegura que a mulher que posou para a obra foi Bianca Giovanna Sforza, esposa de Galeazzo Sanseverino, homem abastado e mecenas de Da Vinci. Mais: Bianca era filha de Ludovico “O Mouro”, duque de Milão e senhor absoluto da pequena cidade de Bobbio, localizada com seus três mil habitantes ao norte da Itália. Rigorosa em seu método, Carla retira a Toscana do cenário com o qual a modelo praticamente se mistura (o sfumato produz graduações e nuances quase imperceptíveis nas tonalidades) e coloca, em seu lugar, o castelo Malaspina Dal-Verme, situado em Bobbio – terras em que Lisa Gherardini jamais pisou.

DETALHES Quase imperceptíveis quando se olha o quadro, eles provam que o cenário é em Bobbio: a ponte Gobbo, sobre o rio Trebbia (acima) e o Castelo de Malaspina Dal-Verme (no alto) (Crédito:Divulgação)

A paleontologia auxilia cientificamente o caminhar da pesquisadora Carla. Os cientistas Gerolamo Russo, do Museu de História Natural de Piacenza, cidade colada ao município de Bobbio, e Andrea Baucon, da Universidade de Gênova, publicaram artigo na Rivista Italiana di Paleontologia e Stratigrafia, no qual afirmam ter descoberto o ateliê e laboratório de Da Vinci nos Apeninos. O local foi identificado ao se comparar os vestígios fossilizados de movimentos e atividades de pessoas em um passado muito distante com as remotas marcas da investigação de fósseis feita pelo próprio pintor, no século XVI, e descrita em seu Codex Leicester – caderno de conclusões de estudos, hoje em mãos do filantropo Bill Gates, fundador da Microsoft. Ou seja: Leonardo da Vinci esteve na região. Finalmente, no Castelo de Malaspina Dal-Verme, colocado por ele no cenário da tela, foram encontrados murais que fez em homenagem a Galeazzo Sanseverino, marido de Bianca Sforza, como já dito acima. E se os mínimos detalhes são importantes quando o artista tem mãos e sensibilidade mágicas, vamos a eles: ao se prestar muita atenção vê-se a ponte Gobbo e o rio Trebbia, da paisagem natural de Bobbio, representados à direita no quadro. As montanhas da obra são idênticas às que existem no Vale Tidone.

De volta ao sfumato, com perfeito domínio do estilo Da Vinci projetou a tela para que ela atravessasse séculos com seus enigmas – já atravessou mais de meio milênio. É hora mesmo de se começar a decifrá-los: o cenário da pintura é a paisagem de Bobbio; e Mona Lisa, na razão de dez para um no quesito certeza, é Bianca. A obra encantará menos e se apequenará como valor da sensibilidade humana ao se comprovar que Bianca foi a modelo de La Gioconda? Em hipótese alguma, porque o belo da perfeição artística persistirá. Na verdade, Mona Lisa já foi muitas mulheres e muitos homens, entre eles dois assistentes e amantes de Da Vinci: Gian Giacomo Caprotti e Francesco Melzi. Todo o mistério que sempre a cercou somente a engrandeceu. O inexplicável, que nada nem ninguém engrandece, é por qual razão a tela é atacada? Recentemente, a brutalidade traduziu-se no arremesso de uma torta contra o vidro que a protege. Nela já jogaram xícara de café (2009) e até ácido (1956). Mona Lisa resiste. Quem sabe o seu sorriso não seja justamente de ironia e desapreço pela estupidez humana?

Nos bastidores, a venda ilegal de obras

EX-DIRETOR Martinez: preso por vender ao Louvre de Abu Dhabi peças do Louvre de Paris, como a estela egípcia referente ao faraó Tutankhamon (abaixo) (Crédito:Karim Sahib)
Karim Sahib

O templo das mais exuberantes telas tem histórias não tão bonitas nos bastidores. Está preso sob suspeita de integrar uma rede de tráfico de antiguidades o seu ex-diretor e historiador da arte Jean-Luc Martinez. A acusação envolve fraude e lavagem de dinheiro. Foram presos juntamente com ele o conservador do departamento de antiguidades egípcias, Vincent Randot, e o egiptólogo Olivier Perdu.

A causa pontual da prisão de Martinez é a comercialização irregular de uma estela egípcia de 3.300 anos (estelas são placas de um só bloco de pedra ou madeira com relevos e inscrições). Atualmente, ela está exposta na sede do Louvre em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Na peça há escritos referentes ao faraó Tutankhamon. O ex-diretor a teria vendido ilicitamente ao Louvre de Abu Dhabi por oito milhões de euros. A Justiça francesa trabalha com a hipótese de os envolvidos na negociata terem conseguido concluí-la valendo-se de documentos que falsificaram a sua origem.

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