Hoje, mais do que nunca, o presidente da República, Michel Temer, é o homem e suas circunstâncias, como diria o filósofo Ortega y Gasset. O seu comportamento, em tempos de crise, depende fundamentalmente da realidade que o cerca. Se a semana passada pudesse ser desenhada, ela teria a aparência de um gráfico de eletrocardiograma. Na terça-feira 30, o gabinete presidencial era dominado pela tensão. Até àquela altura, Temer colecionava infortúnios, tanto na seara política como jurídica. Tinha de contornar focos de rebelião no Congresso, ao mesmo tempo em que via o cerco se fechar no STF, onde responde a inquérito com prazo exíguo de conclusão.

Ao receber a revista ISTOÉ no Palácio do Planalto na manhã de quinta-feira 1, Temer exibia um semblante revigorado. Não à toa. Minutos antes, o presidente havia sido informado de uma boa nova – provavelmente a mais importante desde o início do terremoto que se abateu sobre o governo: a alta de 1% no PIB, a primeira desde o quarto trimestre de 2014. “Isso é fruto da credibilidade e da confiança que se tem no País”, afirmou Temer à ISTOÉ. O meio político também emitiu sinais concretos de que, por ora, ainda é possível segurar o leme da governabilidade. Na noite de segunda-feira 29, em reunião com Temer num hotel em São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que hoje preside os tucanos, haviam se comprometido a articular, no seio do PSDB, a votação da reforma da Previdência, antes de qualquer tratativa a respeito da sucessão. No mesmo dia das alvíssaras sobre o PIB, Temer recebeu a confirmação de que: 1. O “pacto” pelas reformas permanecia de pé e 2. O PSDB mantinha a intenção de tirar o tema sucessão da pauta, salvo o surgimento de um fato novo.

Economia dá sobrevida a temer

O presidente sabe que a situação do governo permanece delicada e os ventos que correm cortantes na direção contrária do Palácio não estão nem perto de serem debelados. Nesse contexto conturbado, enquanto o País é levado por um pêndulo de incertezas, Temer sofre pressões de todos os lados. Ele mesmo reconheceu, na entrevista à ISTOÉ, que se move ao sabor dos cenários que se apresentam. Perguntado se permaneceria à frente do País caso venha a perder o apoio do PSDB e da base aliada, respondeu: “Vou esperar perder o apoio primeiro, né, para depois examinar”. Mas os bons auspícios que sopram na economia não só lhe permitiram ganhar fôlego como lhe franquearam margem de ação política.

sem respiro Temer teve uma semana intensa, encontrando-se com empresários, ministros e aliados na busca por apoio para ficar no cargo
SEM RESPIRO Temer teve uma semana intensa, encontrando-se com empresários, ministros e aliados na busca por apoio para ficar no cargo (Crédito:Beto Barata)

Por exemplo, já está em curso a estratégia para submeter a reforma da Previdência à votação até o início de julho, antes do recesso parlamentar. Nas conversas com líderes da base, o Planalto admite ampliar o leque de concessões, desde que mantido o compromisso de aprovação do texto. Uma das propostas consiste em garantir a manutenção do chamado Benefício de Prestação Continuada da maneira como se encontra hoje, alterar a idade para aposentadoria rural e incluir agentes penitenciários nos regimes especiais. Até a semana passada, o acordo era bem-vindo. O governo também trabalha com a possibilidade de aprovar a reforma trabalhista no Senado nesta semana. Segundo interlocutores, as costuras estão a todo vapor e apenas uma nova hecatombe seria capaz de inviabilizar a votação considerada crucial não só para adoçar a boca do empresariado, como também para produzir a sensação no meio político de que o governo Temer não perdeu as rédeas do País. Por meio político, leia-se sobretudo PSDB, hoje o grande fiel da balança do governo.

Integrantes da tendência mais moderada do tucanato reconhecem que a legenda criou uma saia justa ao definir o 6 de junho, data da votação da chapa Dilma/Temer no TSE, como o dia destinado a deliberar sobre a permanência ou não da legenda no governo. Se não houver um fato novo no front, a probabilidade é pelo adiamento da decisão.

Na conversa da segunda-feira 29 com a presença do ex-presidente Fernando Henrique, Temer fez a plumagem dos tucanos envergar com um alerta. Disse para que não se “enganem”. Caso eles planejassem algum nome para eventualmente substituí-lo na Presidência, essa pessoa entraria no radar da Procuradoria-Geral da República. “Farão com qualquer parlamentar o que estão fazendo com o Aécio e comigo”, advertiu o presidente. Como se vê, há muitas nuances e fatores em jogo no tabuleiro do xadrez político cujo horizonte é 2018, ano de eleição presidencial.

Também tira o sono dos caciques do PSDB a possibilidade de o partido vir a se comprometer com um nome, alheio aos quadros da legenda, que possa aparecer encrencado na Lava Jato. Ao ser perguntado pela ISTOÉ sobre “o que o PSDB espera para sair do governo?”, um tucano de altíssimo escalão respondeu: “O PSDB não sabe o que esperar. Esse é o problema”. Para ala majoritária do tucanato, como mais uma semana se passou sem que fosse alcançado o consenso em torno de um nome para substituir Temer, o principal argumento para não abandoná-lo é o fato de que o chamado “baixo clero” da Câmara é quem acabaria escolhendo o novo chefe do Executivo. “Imagina o perigo! Se já produziram um Severino (Cavalcanti, ex-presidente da Câmara), o que mais não seriam capazes de eleger?”, questionou um parlamentar do partido.

O Planalto está ciente, no entanto, que a hesitação tucana, hoje um trunfo a favor do governo, pode se virar contra Temer caso ele não seja bem-sucedido nas quadras decisivas que enfrentará nos próximos 15 dias. “Cada semana com a sua agonia”, reconhece um assessor de Temer para quem a temperatura da crise oscila mais do que humor de bebê recém-nascido. A primeira trincheira de Temer é o TSE, onde na terça-feira 6 será julgada a chapa presidencial eleita em 2014 por abuso de poder econômico. O governo aposta todas as suas fichas em um pedido de vistas por um ministro do tribunal, o que manteria o tema em banho-maria até o arrefecimento da crise. De acordo com fontes ouvidas por ISTOÉ, a falta de um acordo para a sucessão de Temer é o que mais influencia a corte em sua decisão de não entrar numa bola dividida.

“Fala-se no abuso de autoridade, mas quem tem autoridade é a lei. Toda vez que se ultrapassa os limites legais está se abusando da autoridade” Michel Temer, presidente da República

Superada a batalha no Tribunal Eleitoral, o governo pretende concentrar todos seus esforços no sentido de impedir uma denúncia pela PGR no inquérito que corre no STF contra Temer por corrupção, organização criminosa e obstrução de Justiça. A investigação deve ser concluída até a próxima semana, segundo determinação do ministro-relator da Lava Jato, Edson Fachin. Caso o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, denuncie Temer, para que o processo siga ao STF, ele terá de receber a chancela de dois terços da Câmara. Se isso acontecer, o presidente será automaticamente afastado de suas funções de presidente por até seis meses, o que inviabilizaria politicamente o seu retorno. Seria a pá de cal.

Gravação ilícita

Em sua estratégia de defesa, Temer pretende argumentar que a jurisprudência do STF só permite o uso de gravações presenciais de conversas, sem autorização judicial, com o objetivo de inocentar seus autores. Segundo especialistas, os argumentos do governo poderão instigar o polêmico debate a respeito do chamado fruto da árvore envenenada – teoria consagrada no Direito americano segundo a qual todas as provas obtidas por meio ilícito devem ser desprezadas, por serem “ilícitas por derivação”. Dessa forma, se a gravação de Temer for invalidada, as demais provas envolvendo o presidente poderiam até ser retiradas do processo penal, por terem sido obtidas em delação firmada com base nos áudios. É nisso que se fia o corpo jurídico que auxilia o presidente. Nesse contexto, na quarta-feira 31, Temer engrossou o coro contra o abuso de autoridade. As declarações foram feitas durante a posse do ministro da Justiça, Torquato Jardim, convocado às pressas para ajudar o governo a enfrentar as investigações. “O direito só existe para regular as relações sociais. Fala-se no abuso de autoridade, mas quem tem autoridade no Brasil é a lei. Toda vez que se ultrapassa os limites legais está se abusando da autoridade”, disse.

Atormenta o Planalto, mais do que qualquer outra contenda jurídica, uma possível delação de Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor do presidente flagrado com uma mala com R$ 500 mil em dinheiro, cujo pedido de prisão foi feito na quinta-feira 1 pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Uma delação impactaria sobre aliados que aguardam apenas um “fato novo” para pular da nau governista. Para subscrever o acordo, Rocha Loures sofre pressões da família. Principalmente da mulher, grávida de oito meses. Para sua esposa, sem foro e sem imunidade parlamentar, o marido ficaria sujeito à prisão. Até a semana passada, o governo monitorava de perto o aliado, considerado hoje um homem-bomba. Nas últimas horas, o pulso indicava pressão normal. Ou seja, nenhuma disposição em implodir Temer. Mas, se política é como nuvem, cercos da Justiça, iminência de prisão incluída, compõem a tempestade perfeita para o implicado e aqueles que o cercam.

Montaigne dizia que era doloroso ter de estar num lugar em que tudo aquilo que nossa vista alcança nos diz respeito e nos afeta. O presidente Michel Temer atravessa seu calvário político, mas não alcançou esse estágio. “O aspecto moral é que me mantém. É um dos meus principais suportes para me manter aqui. Por isso não renuncio”, assegurou à ISTOÉ.