O governo Lula tem agido de forma metódica. Caminha cuidadosamente para repetir os mesmos erros que já custaram caro ao País no passado. Em sua primeira viagem internacional na Argentina, o presidente retomou os laços preferenciais com governos de esquerda e anunciou a volta dos financiamentos do BNDES aos países “amigos”.
Não há problema em bancos de fomento financiarem obras e serviços no exterior. BID, BIRD e instituições dos EUA e do Japão, por exemplo, têm longa tradição nesse tipo de operação. Xi Jinping, por outro lado, viu sua iniciativa trilionária da “nova rota da China” virar um problemão. Mas há uma lógica nessas ações. Além de se destinarem ao desenvolvimento de parceiros no exterior, fortalecem as empresas e os fornecedores domésticos e servem ao interesse geopolítico, estreitando laços comerciais e o “soft power” da nação que banca a operação.

O problema é quando esses empréstimos têm baixa governança, falta de nexo econômico, destinam-se a fortalecer grupos político-ideológicas e tiram o foco de instituições que poderiam utilizar seus recursos limitados para priorizar o próprio país financiador. É o caso da experiência brasileira, por isso o programa que já destinou US$ 10,5 bilhões desde os anos 90 foi extinto em 2016 após uma sucessão de escândalos.

O folclore político eternizou os casos do porto de Mariel (Cuba) e do “metrô de Caracas” (Venezuela). Mas o assunto é sério. A Lava Jato mostrou com abundância de provas que empreiteiras brasileiras exportavam, além de serviços e hidrelétricas, corrupção e propinas. Então o atual governo deveria estar preparado para enfrentar críticas e ceticismo com a volta dessa política, apresentando provas de que as operações serão técnicas, sustentáveis e transparentes. No caso das obras da era petista, isso não ocorreu. O governo Dilma Rousseff impôs sigilo aos financiamentos para Angola e Cuba alegando “segredos comerciais”.

Ocorreram também casos absurdos de favorecimento econômico a ditaduras que penalizaram o contribuinte brasileiro. A Refinaria Abreu e Lima (PE), concebida para desovar o petróleo bolivariano de Hugo Chávez, causou um rombo bilionário na Petrobras e não ajudou em nada a diminuir a dependência de refino no Brasil.

Outra iniciativa que causa calafrios nos economistas, com razão, é a anunciada moeda comum. Seria uma divisa digital para transações comerciais, sem afetar o real e o peso, reforçou o ministro Fernando Haddad. O objetivo é evitar a utilização do dólar, facilitando as operações. Tudo bem, mas por que o “Financial Times”, reproduzindo uma entrevista com o ministro da Economia argentino, entendeu que seria criado um “euro” latino-americano? E já há uma sistema de compensações para evitar o dólar, mas não funciona exatamente porque a questão é a falta de reservas da Argentina, em dólar ou real, não importa. O país está quebrado por causa da irresponsabilidade peronista. A inflação na Argentina chegou a 94,8% em 2022, e o peso se desvalorizou mais de 40% no período. Apesar disso, Lula elogia a economia do vizinho.

Esse é o cerne das dúvidas sobre o que Lula deseja exatamente no exterior. É muito positivo que reative as alianças com os vizinhos e retome o protagonismo brasileiro no continente, desfazendo o isolamento tacanho de Bolsonaro. Mas isso deve acontecer a partir de uma visão produtiva e moderna da economia, respeitando a nova realidade financeira e a evolução das cadeias de suprimento globais. A miopia ideológica, ao contrário, pode trazer mais prejuízos e arrastar o Brasil para pautas anacrônicas. Vários sinais trocados foram emitidos nesse sentido nos últimos meses: debochar do “mercado”, menosprezar a responsabilidade fiscal e tachar a independência do Banco Central de “bobagem”. Isso vai colocar o Brasil na OCDE ou ressuscitar o acordo Mercosul-União Europeia?

O próprio Fórum escolhido para os anúncios, a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), é simbólico – no mau sentido. O grupo foi criado para escantear os EUA e favorecer autocratas como Nicolás Maduro e Daniel Ortega. O Brasil deveria liderar pelo exemplo, acelerando sua economia após mais uma década perdida. Mas, ao contrário, o governo flerta com o perigo. Parece que exalta a estagnação econômica, afaga a instabilidade política e mira-se no exemplo de países que empobreceram por causa do populismo e de ditaduras sanguinárias.