ATIVISMO Rain Dove, nascido Danielle, é um dos principais nomes da moda (Crédito:Divulgação)

Imagine entrar em uma loja de roupas e não encontrar a tradicional divisão entre masculino e feminino? A questão é cultural e começa na área infantil: quando não se sabia o sexo da criança por nascer, elegia-se o amarelo para fazer “o enxoval”. Altamente politizada, a discussão de gênero virou deboche nas palavras da ministra Damares Alves quando assumiu a pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos: “Menino veste azul e menina veste rosa”. Ou seja, a cor da sua roupa passa a ser uma decisão política. Mesmo quem não tem nenhum interesse na palavra “moda”, precisa escolher uma roupa para tirar do armário todos os dias. O futuro? Roupas sem gênero — vestir o que quiser e no corpo que desejar.

FORÇA Lingerie e roupa de ginástica: Helena Schargel inspira mulheres idosas (Crédito:Divulgação)

Mesmo sem estar no dicionário, a palavra “agênero”, tradução livre da inglesa “genderless”, tem dado pano para a manga. Os desfiles das semanas de moda das principais marcas do planeta reforçam essa tendência que começou há quase uma década. A tardia aceitação de modelos fora do padrão europeu de beleza foi um começo. Depois vieram as pessoas transgênero e as pessoas com corpos fora das medidas tradicionais. “O formato pequeno, médio e grande é uma padronização das lojas de departamento. Não há apenas três formatos de corpo no mundo”, explica a estilista Hellena Kuasne.

Aos 25, ela criou a marca Meninê para fazer roupas sem gênero e sob medida. “Eu converso com a pessoa e pergunto o que ela quer vestir, sou praticamente uma psicóloga de estilo”, diz. Escolher o tecido, o formato, a cor, o caimento baseado na própria personalidade é uma opção recente. O que a sua roupa diz sobre você? No mundo pós-pandemia, manequim mascarados, com cabelos raspados ou presos, não revelam o gênero num primeiro momento. O sexo pode ser apenas um detalhe. Ao assistir aos últimos desfiles, feitos com se fosse filmes, pré-gravados e orientados para o consumo virtual, é impossível não se perguntar: o que é mais importante, a roupa ou a/o modelo?

“Converso com a pessoa e pergunto o que ela quer vestir. Sou uma psicóloga de estilo”– Hellena Kuasne, estilista (Crédito:Gabriel Reis)

Diversidade

Com Gisele Bündchen, o Brasil passou a ditar tendência na passarela e foi precursor ao apresentar a modelo Lea T, nome artístico de Leandra Medeiros Cerezo, mulher trans, filha do ex-jogador de futebol Toninho Cerezo. Em 2010, antes da cirurgia de resignificação sexual, chocou o mercado ao posar nua para a capa da revista Vogue e emplacar uma campanha na marca francesa Givenchy. Hoje, os manequins apresentam diversidade: doenças de pele como vitiligo, tatuagem e cicatrizes não são mais escondidas.

ATITUDE Modelos fora do padrão na passarela da Versace (Crédito:Divulgação)

A modelo mais desejada da indústria em 2019 foi uma mulher negra, africana e de cabelo raspado: a sudanesa Adut Akecht trabalha para os dois lados na passarela, faz “o papel” de homem e de mulher. Até a famosa grife italiana Versace se rendeu: trouxe três modelos acima do peso para a semana de moda de Milão, no final de setembro. A francesa Louis Vuitton apresentou com exclusividade o modelo canadense transgênero “Krow” para a passarela. Foi sua primeira aparição após a transição. E sua história encantou o mundo. “Dar visibilidade para uma comunidade que não é vista ou representada é uma prova do que o mundo se tornou”, disse esperançoso. Mesmo enquanto políticos como os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump continuam a pregar o retrocesso, a cultura dominante assinala um caminho sem volta. A cantora Pabllo Vittar que o diga. É a drag queen mais seguida no Instagram.

SAÚDE Winnie Harlow e a beleza do vitiligo: ousadia e auto-aceitação (Crédito:Divulgação)

E o Brasil vai ainda mais longe ao aceitar — e amar — uma modelo de lingerie e roupas esportivas de 80 anos. Helena Schargel tem mais de 25 mil seguidores no Instagram e decidiu virar modelo após ir a um encontro “para a melhor idade” e perguntarem se “ela tinha um projeto”. Ela tinha. “Sempre quis tirar as mulheres da invisibilidade, se eu posso, você também pode”, diz. “É incrível ver que consigo inspirar outras mulheres. Recebo ligações do mundo todo perguntando qual é o segredo. O segredo é fazer o que todo mundo faz de uma maneira única”, diz. Diante de tanta liberdade, será necessário adotar um estilo, nem que seja uma camiseta branca e uma calça jeans, a roupa básica de todos os gêneros.