A adoção do formato de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) para gestão do futebol já chegou aos clubes menores. As razões para esse movimento podem variar, assim como as estratégias para atrair os investidores. Esses times podem ser aqueles que estão fora de grandes centros esportivos, como São Paulo e Rio, ou os que têm pouca força na própria região.

Advogado especializado em direito desportivo, Eduardo Carlezzo afirma que os clubes de nicho podem atrair poucos investidores justamente por não possuírem uma grande torcida e, assim, terem certa limitação na geração de receitas. Ainda assim, segundo ele, o preço baixo das ações pode ser um atrativo importante, com vistas no crescimento e em despertar o interesse de empresários e seguidores locais.

“As melhores oportunidades de aquisição não estão no contexto dos grandes clubes e sim na esfera dos chamados médios ou emergentes. Além das negociações não terem a mesma complexidade que adquire a compra de um grande time, como Cruzeiro, Vasco e Botafogo, existe a oportunidade de elevar o status futebolístico deste clube menor a nível nacional”, entende o especialista.

Um exemplo citado pelo advogado foi o acordo entre Red Bull e Bragantino, que elevou o patamar do clube. O caso do time paulista, com sede na cidade de Bragança Paulista, que em 2019 recebeu investimentos do grupo austríaco, pode se repetir em equipes de patamar similar. Há muitos espalhados pelo Brasil.

De acordo com Lucas De Paula, cofundador da consultoria OutField, é sim possível pensar no crescimento do valor de patrimônio (equity) dessas equipes. “Para se ter uma ideia, quem sobe da Série B do Brasileiro para a Série A tem sete vezes mais receita de televisão. Então, quanto mais faturamento, o impacto no valuation (valor) em curto e médio prazo é relevante”, explicou.

A desvantagem de se investir em clubes menores, segundo o consultor, pode estar na demora do impacto sob as receitas B2C, ou seja, aquelas voltadas ao consumidor final, como sócio-torcedor, bilheteria e venda de produtos licenciados. Clubes de menor torcida tem menos compradores de produtos.

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SOBREVIVÊNCIA FINANCEIRA

Cruzeiro, Botafogo e Vasco foram os primeiros grandes clubes que aprovaram a compra de suas SAFs. Os mineiros venderam o comando do futebol ao ex-atacante Ronaldo Fenômeno, enquanto o setor do time Botafogo foi adquirido por John Textor, acionista de clubes como Crystal Palace (Inglaterra) e Lyon (França). Mais recentemente, o Vasco fechou negócio com a 777 Partners por 70% da SAF, contrato que ainda deve ser aprovado pelo Conselho Deliberativo do clube. Mesmo em meio aos trâmites, o clube já recebeu um aporte de seus investidores, comprovando que a parceria já pode estar encaminhada.

Em comum, os três times apareciam entre os cinco mais endividados do País até o ano passado. Em segundo lugar geral, o Cruzeiro possuía endividamento líquido de cerca de R$ 1 bilhão, de acordo com um levantamento da EY. Na mesma lista, em quarto e quinto lugar, respectivamente, estavam Botafogo e Vasco, com dívidas de R$ 863 milhões e R$ 710 milhões. Os dados são de 2021, quando os três clubes disputavam a Série B e ano de regulamentação da SAF no Brasil.

Carlezzo analisa que, até agora no Brasil, os clubes vendidos foram aqueles que estavam em situação financeira grave e não tinha outra alternativa a não ser buscar um comprador. “Para esses clubes era quase que uma questão de sobrevivência. Já para os clubes que estão em, digamos, boa ou razoável situação financeira, buscar um comprador trata-se de buscar crescimento”, comentou.

De Paula concorda que os primeiros clubes a vender as ações de suas SAFs foram aqueles que precisavam do capital a curto prazo. Aqueles com uma saúde financeira melhor e que optarem pela SAF, segundo o consultor, terão mais tempo para avaliar propostas e poderão usufruir de incentivos tributários e uma estrutura jurídica mais leve.

SOLUÇÕES

A mestre em Direito, Juliana Biolchi, especialista em revitalização de empresas, negociações complexas e recuperação extrajudicial, concorda que o modelo não serve apenas para clubes superendividados. “A SAF é uma opção para qualquer clube que esteja maduro para adotar um modelo profissional de gestão, tendo ou não dívidas”, explicou.

A diretora da Biolchi Empresarial explica que boas práticas de gestão se constroem com governança clara, a partir de transparência, responsabilidade social, conformidade e equidade. “O clube não precisa de SAF para fazer isso”, afirmou Juliana, mas se optar por esse o caminho, “garante que não haverá um desmonte a cada troca de gestão.”

Para ela, essa é a principal vantagem. Como desvantagem, Biolchi enxerga que o público em geral ainda confunde boa governança com resultados imediatos em campo, o que não deve acontecer no curto prazo.

Sobre os diferentes tipos de gestão, Lucas De Paula concorda que tradicionalmente, a administração dos clubes era voltada para a performance esportiva, simplesmente. “O modelo associativo tinha pouca inclinação a pensar modelos financeiros saudáveis. Agora, com donos, isso já é possível”, comentou. Para o consultor, um dos principais pontos de atenção na hora de se vender as ações de uma SAF deve estar na proposta feita pelos potenciais investidores. “O clube precisa procurar um projeto que esteja alinhado com seu modelo futuro. Então, o estilo de governança e a metodologia pós injeção de capital tem que estar bem alinhado entre as partes.”

CLUBES PAULISTAS


Na capital, a Portuguesa busca colocar em prática sua S/A até o final deste ano. O objetivo, além de financeiro, é esportivo. A Lusa quer se restabelecer no cenário brasileiro de futebol e já planeja receber aportes de novos investidores para o próximo campeonato estadual. A SAF era um antigo desejo do presidente Antônio Carlos Castanheira, que deve ser o primeiro CEO do novo modelo empresarial da Portuguesa.

Outro paulista a adotar modelo oficialmente foi o Botafogo de Ribeirão Preto. De acordo com Adalberto Baptista, presidente do Conselho da S/A e principal investidor do clube, a profissionalização é fundamental para que os clubes possam sanar os problemas financeiros. “Aqui enfrentamos uma longa trajetória e, com muita responsabilidade, queremos atingir grandes objetivos nas próximas temporadas”, explicou o dirigente, que já foi do São Paulo.

Por outro lado, o modelo pode não agradar a todos os clubes. O Conselho Deliberativo do Juventus, por exemplo, vetou a criação de sua SAF. A proposta votada consistia na venda de 90% das ações do tradicional time do bairro da Mooca por R$ 13 milhões. O comprador seria o grupo italiano AlmavivA do Brasil.


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