14/06/2024 - 8:00
Limpar o guarda-roupa a cada virada de termômetro está em baixa. Ainda que no Brasil as quatro estações nunca tenham sido definidas como lá fora, nos anos anteriores ao aumento significativo da temperatura global não parecia tão estranho as coleções serem pautadas por Primavera/Verão-Outono/Inverno. Nas últimas semanas, a Dior encheu as passarelas – ou melhor, os caminhos dos jardins de um castelo em Perthshire, na Escócia – de xadrez, espartilhos, meias, luvas e botas longas, e muito couro, numa atmosfera bem gótica-medieval. Intitulado Cruise (do inglês, cruzeiro), o desfile não teve nada de solar e as peças devem chegar às lojas assim que as temperaturas começarem a cair no Hemisfério Norte. Estratégia de venda ou não, o calendário da moda vem sendo atravessado pelo espírito (crítico) do tempo.
As alternativas encontradas pelas grandes e pequenas marcas para driblar o atual cenário vão do campo conceitual ao prático. “Temos de propor soluções que se adaptem ao dia a dia imprevisível de quem veste uma roupa atualmente, a partir de peças mais versáteis e práticas”, diz Heloisa Strobel, arquiteta e estilista da Reptilia.
São cordinhas que alternam do comprimento à amplitude das peças e zíperes que permitem sua utilização do inverno até o verão. A atemporalidade é a palavra de ordem das marcas que vislumbram, além do mercado, a sustentabilidade na cadeia produtiva.
“Optar por peças de qualidade, com matéria-prima brasileira e que apresentam versatilidade entre as estações, que agora se mesclam, é um ótimo começo.”
Além da crise climática, a globalização e a mídia colaboram para o afrouxamento das temporadas baseadas em períodos do ano. “Se no passado a informação de moda era colhida in loco, hoje o desfile é uma performance global, com streaming ao vivo. Tornar o produto mais flexível é o melhor caminho para permitir vendas em vários pontos do globo”, diz Antonio Slusarz, coordenador da Graduação de Design de Moda do Istituto Europeo di Design (IED).
Os temas reinam
A marca cearense Marina Bitu não se baseia em estações e são os temas que norteiam suas linhas: são duas ao ano, com peças transitáveis e feitas, 80%, sob demanda. “Se a pessoa encomendar uma peça off white para o Réveillon, ela pode ter o mesmo modelo em preto no inverno”, diz a estilista de mesmo nome. “Não faz sentido uma peça que levou tanto tempo para ser pensada e elaborada ser descartada em um ou dois meses. Com pequenas mudanças no styling é possível alterar o seu propósito, para que ela possa permear diferentes circunstâncias.”
A sustentabilidade ambiental de manter criações atemporais vem acompanhada do apreço pela cultura. “Fazemos roupas tropicais, inspiradas no Brasil, mas com modelos que se conectam com o clima do País o ano todo”, diz Marina, cuja nova linha é inspirada no Cariri, região do Nordeste com influência dos povos originários amazônicos.
A priorização das estações vai perdendo sentido à medida em que os desastres naturais causados pelo aquecimento global aumentam.
Raquel Davidowicz, diretora criativa da UMA, sentiu na pele a oscilação: de dois anos para cá, passou de seis a dois casacos por série lançada, inclusive de tecidos mais leves, assim como o material dos tricôs mudou de lã a algodão. “O ideal é pensar em roupas de meia-estação, com matérias-primas e modelagens adaptáveis às temperaturas.”
A preocupação com a ecologia, a partir do uso de tecidos naturais, orgânicos e reciclados, vem acompanhada à comercial. “Não teremos inverno e daqui a pouco estaremos liquidando esses itens. Lá fora, os estilistas estão trabalhando as coleções mais próximas da entrega dos produtos, além de as misturarem e até optarem por peças com sobreposições.” Sua nova linha, com cores sóbrias e silhuetas contemporâneas, leva o nome de Aquarius: “É uma era de mudanças”.