O mundo da moda – tão acostumado a ver de tudo – parou quando a Balenciaga, grife de luxo usada pelas principais celebridades do planeta, divulgou peça publicitária com imagens de crianças em camas e sofás em meio a taças de bebidas vazias e próximas a objetos de cunho sexual, como ursinhos de pelúcia vestidos com elementos sadomasoquistas.

A campanha “Balenciaga Gift Shop”, algo como “Loja de lembrancinhas da Balenciaga”, tinha como objetivo mostrar os diversos objetos que poderiam ser boas opções como presentes de fim de ano – joias, sacolas, bolsas, óculos e brinquedos divertidos da marca. A combinação de elementos tão diversos e modelos tão pequenos deixou uma questão no ar: estaria a grife fazendo apologia ao abuso infantil?

MÁ IDEIA Modelo infantilizada: anúncio da Dolce & Gabbana fez grife perder dinheiro na China (Crédito:Divulgação)

As imagens das crianças foram uma espécie de choque coletivo para muitos usuários das redes sociais, que acusaram a marca de tolerar e promover a pedofilia. Não adiantou a marca retirar todas as imagens de suas redes e publicar desculpas. O boicote e o cancelamento não só da Balenciaga, mas também de personalidades que apareçam vestindo roupas da marca, devem durar por muito tempo, apesar das insistentes desculpas de todos os envolvidos.

A empresária Kim Kardashian, conhecida por ter um relacionamento de longa data com a empresa, também foi adicionada à controvérsia, principalmente por ter demorado quase uma semana para se manifestar sobre o assunto. “Como mãe de quatro filhos, fiquei abalada com as imagens perturbadoras. A segurança das crianças deve ser mantida com a maior consideração e qualquer tentativa de normalizar o abuso infantil não deve ter lugar em nossa sociedade”, escreveu ela em seu Instagram, sem deixar claro se estava rompendo parcerias futuras com a casa.

A Balenciaga pertence à Kering, um conglomerado de luxo francês que possui ainda marcas populares como Saint Laurent e Gucci – nomes também envolvidos em campanhas problemáticas no passado. Magreza excessiva, nudez, violência e xenofobia são os “acidentes” mais comuns da publicidade de moda, porém, o que mais choca no caso da Balenciaga é como uma campanha como essa, que envolve milhões de dólares e passa pela aprovação de diversas pessoas, saiu do papel?

MAGRAS DEMAIS Desfile da Victoria’s Secret: cast de modelos não soube captar o desejo do público por diversidade de corpos (Crédito:TIMOTHY A. CLARY)

As marcas investem dinheiro com o objetivo de ter um anúncio capaz de entrar para a história. Uma técnica é o chamado “shockvertising”, um anúncio que deliberadamente assusta e ofende ao violar normas e valores sociais e ideais pessoais. Da década de 1970 até o início dos anos 2000, a italiana Benetton criou anúncios fotográficos que exibiam tópicos controversos: um padre e uma freira se beijando, uma negra amamentando um bebê branco ou um homem morrendo na pandemia de Aids. Essas campanhas foram sucesso e são estudadas até hoje nas escolas do ramo. Em 1980, a Calvin Klein colocou Brooke Shields em um de seus jeans enquanto dizia: “Você sabe o que há entre mim e minhas Calvins? Nada”. A atriz, então com 15 anos, aparecia em posições provocantes e o comercial foi proibido em diversas revistas e canais de televisão. As vendas das peças, no entanto, explodiram.

Para Lorenzo Merlino, estilista e professor do curso de Moda do Centro Universitário FAAP, o limite é bastante tênue entre chocar para o bem e ofender. “Como uma empresa do porte da Balenciaga cometeu um equívoco desse tamanho? Pois mesmo nas aulas de desenho de moda, quando os alunos colocam transparências em um item de vestuário infantil, já soamos o alerta, pois transparências não devem fazer parte das roupas feitas para esse público”, explica. O professor lembra ainda quando a Dolce & Gabbana, prestes a realizar um desfile na China, fez um comercial com uma mulher chinesa infantilizada tentando comer comida italiana usando um par de hashis. O boicote no país por causa do vídeo xenofóbico foi imenso, e o prejuizo nas vendas também.

Já a Victoria’s Secret não soube ler as transformações da sociedade e, ao insistir em usar apenas modelos magérrimas, teve prejuízos milionários e perda de interesse de boa parte de seu público. O clássico desfile anual das modelos usando pequenas peças de lingerie como se fossem presentes ao paladar masculino pararam de fazer sentido ao consumidor que pedia por empoderamento feminino e diversidade de corpos.

Triste passado

Roger-Viollet via AFP

Coco Chanel, a estilista francesa que revolucionou o vestuário feminino, tem uma mancha em sua biografia que muitos fazem questão de esquecer. Durante a ocupação nazista da França, Chanel não só teve um romance tórrido com um oficial alemão, como trabalhou como agente secreta para o lado derrotado.

Antissemita, aproveitou o duro período de guerra para comer e viver bem ao lado dos invasores no opulento Hotel Ritz. Com o fim do conflito, refugiou-se na Suíça. No fim da vida, vendeu a grife para seus sócios judeus que ela odiava, os perfumistas responsáveis pelo N°5, que então revitalizaram a marca, comandada até hoje pela mesma família.