IMPASSE Legislação: marcas brasileiras têm dificuldades para importar o cânhamo (Crédito:Divulgação)

Os Portugueses chegaram ao Brasil graças à Cannabis Sativa: todas as cordas e velas de suas caravelas eram feitas a partir de cânhamo, planta pertencente à espécie. Os primeiros registros da erva, no entanto, vieram bem antes — arqueólogos de Taiwan encontraram objetos de cêramica feitos a partir do cânhamo, datados de 10 mil anos a.C. Em 250 a.C, a humanidade criou o papel a partir da planta; em 8.000 a.C já se produziam roupas com a matéria-prima. Ela caiu em desuso após ser erroneamente comparada com a maconha, passando a ser proibida para cultivo e plantio. Nos últimos anos, porém, após a flexibilização da legislação em países como China e EUA, a planta voltou a ser usada em larga escala na indústria têxtil e alimentícia. Marcas populares como Adidas e Levi’s, por exemplo, já usam o material para confeccionar seus produtos.

Apesar de ainda não estar 100% liberada, a legislação brasilera autoriza a sua importação — ou do objeto confeccionado —, o que estimulou empresas brasileiras a investir na fibra natural. A Reserva, uma das pioneiras no segmento da moda, já fabrica camisetas e moletons. Em 2022, terá à venda uma coleção de jeans. “As leis brasileiras dificultam um pouco. Preferimos trabalhar com produtores locais, mas isso não é possível quando tratamos de cânhamo. Isso atrasa a entrega da matéria-prima e impacta no planejamento, produção e confecção de roupas”, afirma o estilista Felipe Crepalde. O mercado asiático, principalmente a China, é o maior exportador do material para o Brasil.

ECONOMIA Saia costurada por artesãos romenos: criada há mais de um século (Crédito:Divulgação)

Sustentabilidade

As dificuldades não afetam apenas as grandes empresas, mas pequenos empreendedores como Poliana Rodrigues, da Blum. Ela pretende comercializar roupas íntimas femininas à base de cânhamo, mas está com dificuldades para encontrar produtores no exterior que queiram investir em seu produto. A opção pelo cânhamo, porém, é definitiva. “Ele simboliza a essência desse movimento de mudança e bem-estar que tomou conta do mundo. Esse discurso e os futuros possíveis que defendemos passam por ele”, explica.

Não é de hoje que a indústria têxtil procura caminhos para reduzir o impacto no meio ambiente. O cânhamo é uma dessas opções. Além da facilidade de cultivo — 80% dos solos férteis no Brasil podem ser usados para o seu plantio — ele utiliza menos da metade da água usada no plantio do algodão; não necessita de agrotóxicos e pesticidas, além de ser uma fibra de alta durabilidade — algumas peças foram criadas há mais de um século. “Sua qualidade supera a do algodão e poliéster. É melhor que outras fibras naturais como a lã, que utiliza a pelagem de animais. Para o meio ambiente, o cânhamo é a fibra certa”, afirma Eduarda Bastian, professora de moda sustentável e presidente do comitê têxtil da Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC).

A liberação da produção em larga escala no Brasil ainda gera discussão, pois esbarra em temas tabus, como a associação com a maconha. A verdade é que as duas plantas são totalmente diferentes: o cânhamo tem poucas ramificações laterais e menos de 0,3% de Tetrahidrocanabinol (THC), o elemento que provoca os efeitos psicoativos. Para efeito de comparação, a flor da maconha possui mais de 30% de THC. O cânhamo ainda tem alto teor de canabidiol, substância com grande potencial medicinal e terapêutico já comprovado. Um projeto de lei que tramita no Congresso solicita a liberação da produção de cânhamo em alta escala no Brasil para fins industriais e medicinais. O PL 399/15 foi aprovado em junho por uma comissão especial na Câmara, mas um recurso da oposição impediu, até agora, que ele seguisse adiante. A expectativa é de que seja votado ainda em novembro. “A pauta, no entanto, não é unanimidade e sofre críticas tanto dos progressistas quanto dos conservadores. Virou um fogo cruzado, mas mesmo um governo conservador pode aprovar o uso industrial e medicinal do cânhamo. O Brasil não vai conseguir permanecer uma ilha regulatoria.”, afirma Rafael Arcuri, Diretor Executivo da Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC).

Na área médica, o Brasil tem hoje sete produtos fabricados com cannabis já aprovados pela Anvisa. Segundo a consultoria especializada Kaya Mind, estima-se que a regulamentação poderia gerar cerca de 117 mil empregos e movimentar R$ 26,1 bilhões em quatro anos no país. Em 2019, o setor global faturou US$ 4,58 bilhões.