Missão da ONU visita El Fasher, ‘epicentro do sofrimento humano’ pela guerra no Sudão

Habitantes traumatizados sobrevivendo em “condições indignas”, sem água nem saneamento: esse é o panorama constatado por uma equipe da ONU na cidade de El Fasher, no oeste do Sudão, tomada por paramilitares.

Desde abril de 2023, o Sudão está mergulhado em uma guerra entre o exército regular e as Forças de Apoio Rápido (FAR), um grupo paramilitar.

El Fasher, que caiu nas mãos das FAR em outubro, após 500 dias de cerco, não passa de “o fantasma” do que já foi, “uma cena do crime”, disse nesta segunda-feira (29) à AFP a coordenadora humanitária Denise Brown, que só foi autorizada a passar “algumas horas” na cidade.

A seu pedido, visitou El Fasher sem escoltas armados, com um grupo de colegas.

“Grandes partes da cidade estão destruídas”, contou Brown. El Fasher tornou-se “um dos epicentros do sofrimento humano” do conflito que assola o país.

– Um hospital em funcionamento –

No fim de outubro, as FAR se apoderaram do último bastião do exército em Darfur, com uma ofensiva violenta marcada por execuções, saques e estupros.

Desde então, impuseram um apagão de informações na cidade, que ficou isolada do mundo. Exceto pelos vídeos dos abusos cometidos pelos paramilitares e divulgados por eles próprios, muito pouco do que acontece ali foi revelado.

Na sexta-feira, a equipe da ONU conseguiu entrar em El Fasher, onde encontrou sobreviventes “traumatizados, vivendo sob lonas de plástico” em condições “indignas e perigosas”, contou a responsável canadense, encarregada do Sudão dentro do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha).

Antes da guerra, mais de um milhão de pessoas viviam na cidade, mas agora não se sabe quantas restam. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 107 mil habitantes fugiram.

A equipe foi autorizada a visitar vários locais: o hospital saudita, abrigos para deslocados e cinco escritórios da ONU, hoje abandonados.

O complexo hospitalar, um dos últimos da cidade, “ainda se mantém de pé” e em funcionamento, mas com escassez de antibióticos e equipamentos, e quase sem pacientes.

– “Ponta do iceberg” –

Sem ajuda humanitária, faltava tudo em El Fasher durante os 18 meses de cerco. Para sobreviver, os habitantes tiveram de se alimentar com comida para animais. Em novembro, a ONU confirmou a fome na cidade.

As pessoas também sobrevivem graças a um “pequeno mercado” onde podem encontrar minúsculos pacotes de arroz, tomates, cebolas, batatas e biscoitos. “As pessoas não têm meios para comprar mais”, explicou Brown.

A equipe “não pôde ver nenhum dos detidos, e achamos que há”, apontou a responsável. “Vimos apenas a ponta do iceberg”, reconheceu.

Segundo análises de imagens de satélite e depoimentos recolhidos pela AFP, os abusos são corriqueiros em El Fasher, onde também haveria valas comuns. No entanto, Brown preferiu não se pronunciar a respeito e remeteu aos especialistas da ONU em Direitos Humanos, que estão elaborando um relatório sobre as atrocidades cometidas na cidade sudanesa.

A guerra no Sudão deixou dezenas de milhares de mortos e expulsou de suas casas 11 milhões de pessoas, vítimas da “pior crise humanitária do mundo”, segundo a ONU.

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