Protagonista de uma série de crises, Boris Johnson equilibrava-se no cargo de primeiro-ministro do Reino Unido desde o final de 2021, após a revelação de que frequentava festas enquanto a pandemia da Covid-19 assolava o país e a população permanecia confinada para conter a disseminação do vírus. Um novo escândalo, no entanto, foi a gota d’água para perder a credibilidade junto à população e ao Partido Conservador, do qual o premiê faz parte: Johnson manteve em um posto estratégico da sigla Chris Pincher, um de seus homens fortes, mesmo ciente de que pesavam contra ele denúncias de assédio sexual a dois homens em um clube londrino.

RENÚNCIA Denúncias de corrupção e assédio de Boris Johnson: histórias de arrepiar os cabelos de qualquer cidadão de bem (Crédito:Phil Noble)

A descoberta sobre a condescendência do primeiro-ministro — negada por ele em princípio e, posteriormente, admitida — resultou na debandada de mais de 40 assessores e ministros de sua gestão. Johnson viu-se, então, obrigado a anunciar a decisão de renunciar ao cargo de líder do partido e, por consequência, ao posto de premiê nesta quinta-feira, 7. Com a pecha de mentiroso, ele permanecerá no cargo apenas até que os conservadores elejam um novo líder, processo que pode levar dois meses.

Conexão com o Brasil

O desfecho do caso no Reino Unido serve de exemplo para o mundo, e em especial, para o Brasil, onde nem roubos, compra de votos, “toma lá, dá cá” ou interferências em instituições constrangem mais o presidente Bolsonaro. No País, o assédio sexual é tipificado como crime há 21 anos. Ainda assim, carícias e apalpadas não autorizadas e investidas a partir de falas de cunho sexual são encaradas como trivialidades, e as denúncias passam por uma invalidação pública de agentes de Estado. O trato do mandatário com Pedro Guimarães é ilustrativo.

O ex-presidente da Caixa deixou o cargo diante de não duas, como no caso do assessor de Johnson, mas de dezenas de acusações de assédio sexual e moral. Em depoimentos, mulheres relataram frases escandalosas em que Guimarães, amigo íntimo de Bolsonaro, sugeria promoções em troca de sexo. Lembraram ainda de episódios em que tiveram os corpos tocados sem permissão. Fosse o Brasil um país sério — ou Bolsonaro um presidente digno —, Guimarães teria sido enxotado do governo e o Planalto reforçaria a política de prevenção ao assédio.

É utopia. Pedro Guimarães saiu pela porta da frente, sem o status de “demitido”. A exoneração, segundo o Diário Oficial da União, ocorreu “a pedido”. O afastamento, aliás, não aconteceu porque o Planalto tratou com seriedade as denúncias, mas para evitar novos prejuízos à campanha eleitoral do presidente. Sua equipe de marketing chegou a aconselhá-lo a gravar um vídeo com críticas à postura do agora ex-presidente da Caixa. O capitão se recusou a fazê-lo. Nas palavras de um auxiliar palaciano, ele não queria “sacanear” o amigo do peito, um bolsonarista raiz expert em fazer propaganda do assistencialismo do governo.

ACUSAÇÕES O ex-presidente da Caixa, Pedro Guimarães, deixou a instituição em meio a um “mar de lama”: em eventos como o realizado em Recife, para recolher crustáceos no mangue, mulheres dizem que ele costumava assediar sexualmente as funcionárias do banco estatal (Crédito:Divulgação)

As similaridades entre Boris Johnson e Bolsonaro vão além da vista grossa a denúncias de assédio. Como o britânico, o presidente brasileiro adotou postura negacionista na pandemia — e de forma ainda mais explícita: incentivou aglomerações, promoveu motociatas, foi anfitrião de viagens, fez passeios de jet ski e fez piada sobre a falta de ar das vítimas da Covid-19.

Enquanto o Reino Unido se chocou com a reforma da residência oficial de Johnson feita com doações do Partido Conservador, no Brasil, Bolsonaro e os filhos são investigados por esquemas de rachadinha. Aqui, o orçamento virou instrumento para a compra de votos no Congresso e o Ministério da Educação, um dos órgãos mais importantes do País, virou balcão de negócios escusos. Bolsonaro deveria ter o mesmo destino de Johnson, mas as instituições e os partidos brasileiros parecem adormecidos.