Por 3 a 1, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu nesta terça-feira, 14, rejeitar uma denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o senador Ciro Nogueira (PP-PI) no âmbito da Operação Lava Jato. O parlamentar era acusado de solicitar propina no valor de R$ 2 milhões da UTC Engenharia, com base em promessas de favorecer a empreiteira em obras públicas de responsabilidade do Ministério das Cidades e do Estado do Piauí.

Em junho, o relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, votou para receber a denúncia contra Ciro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, enquanto o ministro Dias Toffoli abriu a divergência para rejeitar completamente as acusações da PGR. Nesta terça-feira, 14, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes acompanharam o entendimento de Toffoli de que não há elementos de prova suficientes para justificar a abertura de uma ação penal.

“Os atos de colaboração devem ser encarados a priori com desconfiança. Os elementos probatórios (neste caso) são oriundos e produzidos pelos próprios colaboradores, nada foi efetivamente comprovado por elementos de corroboração consistentes. Não há elementos suficientes para a abertura do processo”, avaliou Gilmar Mendes.

Lewandowski, por sua vez, defendeu a análise “com rigor” das acusações formuladas pelo Ministério Público, sob pena de “impor ao denunciado a prova de sua própria inocência”. O ministro também reiterou que a delação premiada é um meio de obtenção de prova, e não uma prova em si.

“No caso não verifiquei um conjunto de evidências seguro para justificar a instauração de ação penal com as graves consequências que isso acarreta para os acusados. Não encontrei elementos seguros que confirmem de forma independente, autônoma, as informações prestadas pelos delatores”, comentou Lewandowski.

O julgamento do recebimento da denúncia de Ciro Nogueira marca mais uma derrota para o ministro Edson Fachin, que já sofreu 21 reveses nas questões cruciais da Lava Jato analisadas pela 2ª Turma do STF, conforme levantamento feito pelo Estadão/Broadcast.

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“Exigir uma prova, um elemento de corroboração acima de qualquer dúvida razoável é antecipar o juízo de condenação para a fase do recebimento de denúncia”, disse Fachin.

“A dúvida milita em favor do réu, mesmo na fase final do julgamento”, rebateu Lewandowski.

Esquema

Segundo a denúncia, Ciro Nogueira fazia parte do grupo de liderança do Partido Progressista que participava do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro relacionado à Diretoria de Abastecimento da Petrobras. Ciro foi denunciado juntamente de seu ex-assessor Fernando Mesquita, do acionista da UTC Engenharia Ricardo Pessoa, e dos advogados Fernando de Oliveira Hughes Filho e Sidney de Sá das Neves.

Fachin votou aceitar a denúncia contra os três primeiros (Ciro, Fernando Mesquita e Ricardo Pessoa) e para rejeitar as acusações em relação aos dois últimos, Fernando Hughes e Sidney, por não haver elementos de prova mínimos para abertura de ação penal contra eles. Assim, foi afastado pelo relator da Lava Jato o envolvimento de Ciro em suposto contrato fictício entre a UTC Engenharia e o escritório Hughes & Hughes Advogados Associados, por onde o senador teria recebido parte da propina.

Relato

O suposto pedido de propina de Ciro Nogueira foi relatado em colaboração premiada de Ricardo Pessoa. Segundo a PGR, entre fevereiro e março de 2014, o valor de R$ 1,4 milhão foi entregue na residência do senador, “diretamente a um de seus auxiliares, Fernando Mesquita de Carvalho Filho”.

O dinheiro em espécie teria sido repassado pelo doleiro Alberto Youssef, que gerenciava a contabilidade paralela da empreiteira. Youssef é delator da Lava Jato. Seus depoimentos, do seu auxiliar, Rafael Ângulo Lopez, e a colaboração de Ricardo Pessoa serviram para fundamentar a denúncia da PGR.

Em torno dessas acusações, o ministro Fachin entendeu que os depoimentos de delatores são convergentes e apoiados por elementos de prova, como registros de visitas no escritório da UTC, planilhas, cruzamentos de dados telefônicos e dados bancários.

Defesas

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende Ciro Nogueira, divulgou a seguinte nota:


“A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal REJEITOU hoje à tarde a DENÚNCIA oferecida contra o Senador CIRO NOGUEIRA no Inquérito 4074. A tese da defesa, de que somente a palavra do colaborador não pode ser levada em consideração sequer para a abertura da ação penal, foi aceita pelo Supremo.

A delação do Sr. Ricardo Pessoa da UTC não encontrava eco em nenhum outro elemento levado aos autos pelo Ministério Público Federal.

As denúncias apresentadas tendo como base somente delações não podem servir de suporte sequer para dar início a uma ação penal. Uma denúncia, por si só, já é um sério gravame e atinge profundamente o cidadão. Logo, terá que apontar elementos probatórios concretos que justifiquem a justa causa para a ação penal.

Julgamento extremamente relevante, pois faz profundas observações sobre a necessidade do Ministério Público não se ater somente às delações. O Supremo criticou com veemência o fato das denúncias estarem sendo propostas sem um critério técnico, apenas baseadas nas palavras dos delatores.

Constará do acórdão que a máxima in dubio pro reo deve prevalecer mesmo nesta fase inicial do processo.

A defesa sempre acreditou no Supremo Tribunal e sustentou, desde o início, que não havia no inquérito nenhum elemento que amparasse tão grave acusação. A rejeição faz justiça ao Senador Ciro Nogueira”.

Para Thiago Turbay, do Boaventura Turbay Advogados, que defendeu o assessor Fernando Mesquita no processo, “a decisão da 2° Turma do STF está alinhada com o devido processo penal e coloca um freio em delações temerosas, sem dados de corroboração e que propagam invencionices”.


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