A primeira-ministra britânica, Theresa May, sofreu um forte golpe nesta quinta-feira (15), com a renúncia de quatro de seus ministros e com a ameaça de sofrer uma moção de censura, devido ao projeto de acordo com a União Europeia aprovado ontem pelo Executivo.

No Parlamento, May defendeu o acordo e advertiu que o voto do Parlamento pode implicar que não tenha Brexit.

“Podemos escolher sair sem acordo, podemos escolher que não haverá Brexit, ou podemos escolher nos unir e apoiar o melhor acordo possível”, afirmou ela na Câmara dos Comuns, onde opositores e defensores do Brexit criticaram o texto aprovado na véspera pelo governo.

Durante três horas, deputados de praticamente todas as correntes políticas insistiram com a premiê em que o projeto não conta com o apoio de uma maioria parlamentar.

Alguns, como o deputado do Partido Nacionalista Escocês (SNP) Ian Blackford, atacaram May duramente: “Sequer consegue controlar seu própio gabinete”.

Após a dura sessão, o deputado conservador britânico Jacob Rees-Mogg, eurocético, anunciou que pedirá uma moção de censura contra May.

“Infelizmente, o projeto de acordo de saída apresentado ao Parlamento hoje se mostrou pior do que antecipávamos e não cumpre as promessas feitas à nação”, escreveu em sua petição Rees-Mogg, líder do grupo pró-Brexit European Research Group, que conta com o apoio de dezenas de deputados.

O processo tem início se 48 legisladores governistas escreverem pedidos similares. Outros já teriam feito isso, discretamente, nos últimos dias, e a imprensa britânica especula que logo se chegará a esse número.

Os ferrenhos defensores do Brexit em sua própria sigla, o Partido Conservador, condenam a premiê por ter feito concessões inaceitáveis a Bruxelas.

“Sei que dias difíceis nos esperam”, afirmou May, referindo-se à avalanche de críticas recebidas pelo texto por ambos os lados.

“Esta é uma decisão que será intensamente analisada”, reconheceu May, mas “acredito firmemente que é o melhor acordo que se podia negociar”.

– Onda de renúncia do gabinete –

O primeiro a entregar o cargo foi o ministro do Brexit, Dominic Raab.

“Não consigo reconciliar os termos do acordo proposto com as promessas que fiz ao país”, afirmou em sua carta de demissão publicada no Twitter.

“Entendo por que optou por seguir adiante com o acordo com a UE nos termos propostos”, mas “devo renunciar”.

“Você precisa de um ministro do Brexit que possa defender o acordo com convicção”, acrescentou.

A secretária de Estado britânica do Brexit, Suella Braverman, foi a última a apresentar sua renúncia, seguindo os passos de outros três ministros.

“Chegou a um ponto, no qual sinto que essas concessões [feitas a Bruxelas] não respeitam a vontade do povo”, escreveu Braverman, ao publicar sua carta de demissão no Twitter.

A ministra do Trabalho e de Pensões, Esther McVey, também entregou o cargo por discordar do projeto de acordo.

“O acordo que você pôs você ontem diante do gabinete não honra o resultado do referendo” de 2016, no qual 52% dos britânicos votaram para sair da UE, tuitou McVey, que também publicou a carta de demissão nessa rede social.

Também deixou o governo o secretário de Estado britânico para a Irlanda do Norte, o conservador Shailesh Vara.

“Não posso apoiar o acordo de retirada firmado com a União Europeia”, alegou Vara, também em carta de renúncia postada no Twitter.

Vara considera que o texto de 585 páginas acordado com Bruxelas não responde à vontade manifestada no referendo de junho de 2016 e deixa o Reino Unido “no meio do caminho, sem data-limite para determinar quando seremos ao fim um país soberano”.

“Este acordo não permite ao Reino Unido ser um país soberano, independente”, lamentou.

O maior obstáculo nas negociações entre Londres e Bruxelas foi como evitar a reimplantação de uma fronteira com vigilância policial entre a República da Irlanda — membro da UE — e a província britânica da Irlanda do Norte.

A libra esterlina caiu bruscamente após o anúncio de Raab e manteve essa tendência. Às 14h15 locais (12h15 em Brasília), a libra estava sendo negociada a 1,2787 dólar contra 1,3027 dólar às 7h locais.

– Europeus elogiam acordo

A chanceler alemã, Angela Merkel, disse nesta quinta estar “muito contente” que um projeto de acordo tenha sido firmado.

“Estou muito contente que, após longas negociações nem sempre fáceis, uma proposta tenha podido ser formulada” entre as duas partes, declarou a chanceler em entrevista coletiva em Potsdam, destacando, porém, que o texto ainda deve ser aprovado pelos deputados britânicos e pelos demais 27 países-membros da UE.

“O pior seria não chegar a acordo algum”, completou, acrescentando que “esta é uma alternativa que sempre temos de levar em conta”. A chanceler disse ainda esperar que o texto seja uma “base” para caminhar para o acordo final.

Já o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, garantiu hoje que a UE está preparada tanto para uma saída com, ou sem, acordo, quanto para a permanência dos britânicos no bloco.

“A União Europeia está preparada para um acordo final com o Reino Unido em novembro”, afirmou Tusk, em entrevista coletiva em Bruxelas.

A UE – completou – também está preparada “para um cenário de falta de acordo” e, “claro”, para uma “ausência do Brexit”.

“Se não acontecer nada de extraordinário, faremos um Conselho Europeu extraordinário para finalizar e formalizar o acordo do Brexit. Será no domingo, 25 de novembro, às 9h30 (6h30 em Brasília)”, anunciou Tusk.

Sem compartilhar o “entusiasmo” da premiê britânica, ele assegurou que o acordo “limita os danos causados pelo Brexit” e garante “os princípios e interesses vitais dos 27 países e da UE em seu conjunto”.

“Permitam-me dizer isso aos nossos amigos britânicos: por mais que me entristeça vê-los indo embora, farei todo o possível para que esta despedida seja o menos dolorosa possíveis para vocês e para nós”, acrescentou.

Para o responsável na Eurocâmara para o Brexit, Guy Verhofstadt, o projeto de acordo do divórcio é o “melhor” que o bloco poderia esperar.

Presente na mesma entrevista coletiva, o presidente da Eurocâmara, Antonio Tajani, afirmou que o Parlamento Europeu “terá a última palavra” sobre o acordo antes da separação prevista para 29 de março.

“O trabalho de negociador vai no bom caminho”, considerou o italiano, referindo-se, sobretudo, aos “três pontos cruciais” estabelecidos pelos europeus. São eles: os direitos dos cidadãos, a conta do divórcio e a questão da fronteira da Irlanda.