Na manhã de segunda-feira 12, o rompimento da tubulação do mineroduto Minas-Rio, em Santo Antônio do Grama, a 220 quilômetros de Belo Horizonte, poluiu com 300 toneladas de polpa de minério de ferro um trecho de sete quilômetros do Ribeirão Santo Antônio, atingindo também o Rio Casca, afluente do Rio Doce. Propriedade da Anglo American, o mineroduto é o maior do mundo, com 525 quilômetros, e liga uma usina de beneficiamento ao Porto de Açu, no litoral fluminense, cortando 32 municípios de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Um inquérito federal foi aberto para apurar as causas do acidente, que trouxe à tona as lembranças da terrível tragédia ambiental causada no rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015. Na ocasião, 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos e destroços lançados no Rio Doce causaram 19 mortes e varreram do mapa a comunidade de Bento Rodrigues. Até hoje moradores da região lutam para recuperar o que perderam sob a lama.

LIGAÇÕES PERIGOSAS  A gerente de licenciamento ambiental da empresa, Aline Trindade: servidora pública licenciada (Crédito:Divulgação)

O acidente da semana passada se soma à preocupante atuação da Anglo American no Brasil. A empresa planeja de ampliar seu reservatório de rejeitos em Conceição do Mato Dentro, a 145 quilômetros de Belo Horizonte, para um volume equivalente a mais de seis vezes o da represa de Mariana. Por trás desse plano há uma relação de proximidade entre a mineradora e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), órgão de fiscalização que deveria proteger os interesses da sociedade.

Conflito de interesse

Desde abril de 2015, a gerente de licenciamento ambiental da mineradora é Aline Faria de Souza Trindade, que até o final de dezembro de 2014 era da Feam, onde foi vice-presidente. Ela também foi chefe de gabinete e subsecretária de Gestão e Regularização da Secretaria de Meio Ambiente — e sequer se desligou do serviço público para atuar na iniciativa privada. Há três anos ela segue em licença não-remunerada para tratar de interesses particulares, enquanto assina e comanda o processo de licenciamento ambiental da ampliação da mina. No final de janeiro foi aprovada a licença prévia de expansão da produção para 29,1 milhões de toneladas anuais de minério de ferro.

Diante dos riscos ambientais e sociais, especialistas de UFMG, UFJF e UERJ desaconselharam a obra, orçada em R$ 1 bilhão só nesta fase. A possibilidade de um novo rompimento apavora quem vive nos municípios de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim. A região é cortada pelo rio Santo Antônio, que deságua no mesmo Rio Doce que foi coberto pela lama da barragem da Samarco.

A Feam afirma que não há problema algum na conduta da servidora licenciada e do próprio órgão, já que Aline Trindade “não chefia, chefiou ou integrou nenhuma equipe nesta gestão”. O órgão também afirmou que não sabia das intenções da servidora após o pedido de licença. Para o Ministério Público (MP-MG) há grave conflito de interesse na situação. O promotor de Conceição do Mato Dentro, Marcelo Mata Machado Leite Pereira, instaurou um inquérito civil contra a mineradora, o governo do estado de Minas Gerais e a servidora. Em Belo Horizonte, promotores do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (Caoma) resolveram analisar se esse tipo de prática é recorrente. Técnicos ambientais denunciaram pressões políticas, agressões verbais e assédio para aprovação das licenças prévias da mina. Moradores também foram impedidos de participar de audiências públicas. Uma denúncia do sindicato dos servidores foi parar no MP-MG, que pediu esclarecimentos ao órgão ambiental. Ninguém soube informar o que foi feito do caso. Sequer o ofício do promotor foi localizado.

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SUSPEITA Área pertencente à multinacional: técnicos ambientais denunciaram pressões políticas para aprovação das licenças (Crédito: Fabio Braga/Folhapress)

Moradores sem água

Os problemas ambientais começaram em 2006, com as sondagens para a construção do mineroduto Minas-Rio. As obras assorearam dezenas de nascentes, rebaixaram o lençol freático e poluíram córregos. Sem água limpa, as comunidades são abastecidas por caminhões-pipa — enquanto a operação da mina pode consumir até 2,5 mil metros cúbicos de água por hora, o suficiente para abastecer uma cidade de 200 mil habitantes. Investigações recentes apontam que, entre 2007 a 2010, pequenos proprietários rurais foram pressionados a vender suas terras por preços abaixo do real valor. Na área urbana de Conceição do Mato Dentro, houve inchaço da população, danos a construções históricas pelo tráfego de caminhões, especulação imobiliária e aumento da criminalidade. Agora os promotores pedem na Justiça que a empresa seja condenada a pagar R$ 400 milhões em reparos.


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