O Panamá completou três semanas de agitação social nesta sexta-feira (10), desencadeada pela operação de uma mina de cobre que coloca o país diante de um dilema: apostar em sua riqueza natural ou na extração de um mineral de alta demanda mundial na transição energética.

Toneladas de produtos agrícolas danificados, filas de caminhões e carros presos em bloqueios de estradas, êxodo de turistas, escolas fechadas e protestos incessantes: o país da América Central vive suas maiores manifestações desde as ocorridas há mais de três décadas contra a ditadura de Manuel Noriega.

A crise, que deixou pelo menos quatro mortos – dois baleados por um panamenho-americano em um bloqueio -, eclodiu em 20 de outubro quando o Congresso aprovou um contrato assinado pelo governo que permite à empresa canadense First Quantum Minerals (FQM) operar por 40 anos a maior mina de cobre a céu aberto da América Central.

Para Raisa Banfield, da Fundação Panamá Sostenible, e Lilian Guevara, do Centro de Incidência Ambiental (Ciam), além da mina da FQM, os panamenhos não querem uma “economia extrativista”.

“O país nunca escolheu que a mineração seria um pilar de desenvolvimento, isso foi imposto pelos grupos econômicos de poder, apesar de colocar em risco atividades que são a vocação do Panamá, o turismo ecológico e a agricultura”, disse o biólogo do Ciam, Isaías Ramos, à AFP.

Para o governo, trata-se de uma contribuição anual mínima de US$ 375 milhões (R$ 1,8 bilhão) em royalties e uma fonte de empregos (8 mil diretos e 40 mil indiretos). Fechar a mina, disse o ministro de Governo, Róger Tejeda, levará o país à “falência técnica”.

O conflito não é novo. O contrato substitui o acordo de concessão assinado em 1997, declarado inconstitucional em 2017 por ter sido feito sem licitação ou consulta social, mas defendido pelo governo como um dos maiores investimentos da história do país, cerca de US$ 10 bilhões (R$ 49 bilhões).

– ‘O ouro do Panamá é verde!’ –

Os ambientalistas alertam para o impacto nas reservas hídricas e nas florestas em uma área de alta biodiversidade que conecta os sete países da América Central e o sul do México.

Imagens aéreas mostram crateras gigantes da mina a céu aberto em uma área florestal de 12.955 hectares na província caribenha de Colón, a 240 km da capital.

“Estamos totalmente comprometidos em operar de maneira ambientalmente sensível”, garante a mineradora, que prometeu reflorestar milhares de hectares.

Entre 2014 e 2018, o setor de mineração representou na economia panamenha entre 1,7% e 1,9%, segundo o Instituto de Estatísticas. Um relatório do Banco Mundial aponta que a mina da FQM desempenha um “papel-chave” desde 2019, com a produção anual de 300 mil toneladas de cobre, 75% das exportações do país.

Como o da FQM, “cada projeto de mineração no Panamá deve ser considerado como um projeto de desenvolvimento sustentável” em nível nacional e nas comunidades circundantes, afirmou a Câmara de Mineração.

A mina da FQM representa 5% do PIB panamenho. Segundo um estudo do Centro Nacional de Competitividade, em 2024 a atividade mineradora no Panamá poderia representar 8,3%.

Mas, em 3 de novembro, diante da forte pressão social, o governo e os deputados aprovaram uma moratória por tempo indeterminado na mineração metálica, que interromperá o trâmite de 103 concessões e as prorrogações de 15 vigentes.

O povo, segundo os manifestantes, falou: “Queremos um país sem mineração. O ouro do Panamá é verde”, são as palavras de ordem que ecoam nos protestos.

– O preço da transição energética –

A demanda mundial por cobre, lítio, cobalto e níquel, os chamados “metais críticos”, cresceu na última década e aumentará ainda mais à medida que o mundo avança em direção a tecnologias verdes, como veículos elétricos.

Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), até 2040, a demanda mundial por cobre será triplicada nos cenários de descarbonização compatíveis com os compromissos climáticos de 2015 para limitar o aquecimento global a +1,5 °C.

“O cobre é fundamental para a eficiência energética, a segurança e a mitigação das mudanças climáticas. Estamos orgulhosos de saber que nosso minério é utilizado globalmente para a geração de energias renováveis e amigáveis ao planeta”, publicou a mineradora no Instagram.

Para Ramos, a luta contra as mudanças climáticas não deve ser feita à custa do “sacrifício” dos recursos naturais dos países em desenvolvimento.

“Não podemos pagar o preço da transição energética enquanto os países ricos continuam emitindo gases de efeito estufa para manter” seu padrão de vida, observou.

A disputa pela mina está nas mãos da Justiça, que está avaliando novas ações de inconstitucionalidade. “Vamos até o fim”, disse Karla Rodríguez, em uma marcha na capital.

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