O jornal Valor Econômico trouxe nesta segunda-feira uma reportagem assustadora.

Ela mostra como a cúpula do ministério da Saúde, sob o comando do general Eduardo Pazuello, pressiona os técnicos da pasta a adotar um novo método de contagem de mortes causadas pelo coronavírus.

A pressão também se aplica aos agentes que preparam relatórios sobre o tema para a Abin, o órgão nacional de inteligência.

O método, vejam só, tem chancela científica do empresário Luciano Hang – o Zé Carioca, no apelido que lhe aplicou o guru bolsonarista Olavo de Carvalho.

Atualmente, o número soma todas as mortes confirmadas em um dia, tenham elas ocorrido nas últimas 24 horas ou em datas anteriores.

No sistema Zé Carioca de contabilização, entram apenas as ocorrências do dia.

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Como a confirmação de muitos casos demora, haverá sempre um conjunto de mortes que ficará no limbo. Isso dará a impressão de que o Brasil tem menos óbitos do que a realidade – e ainda sem levar em conta a subnotificação, que os infectologistas estimam ser grande.

O que mais assombra no caso, porém, é a disposição de integrantes do Exército de colaborar com essa fraude primária, que certamente será derrubada pela pressão da opinião médica, da opinião pública ou por decisão do Judiciário, se as duas primeiras falharem.

Ela mostra que os integrantes das Forças Armadas que ocupam cargos no governo já estão se curvando à conveniência política, em vez de zelar pela informação que interessa ao país.

Esse sempre foi um o temor ligado ao envolvimento dos militares no dia a dia da administração federal: que o envolvimento com um projeto de poder maculasse a imagem positiva que as Forças Armadas construíram ao longo de 35 anos, tornando-se uma instituição na qual os brasileiros confiam sem reservas.

Não se espera, e muito menos se deseja, que militares atuem como militantes.

Em 1974, o regime dos fardados resolveu censurar notícias sobre uma epidemia de meningite que estava se alastrando. Aquilo não condizia com a imagem do país que se desejava mostrar. Mas as mortes foram muitas, e no fim foi necessário reconhecer o desastre e organizar às pressas campanhas de vacinação.

Ainda é tempo de os militares que ocupam cargos no Ministério da Saúde em 2020 evitarem esse caminho. Não é possível escamotear a gravidade da epidemia e o seu preço em vidas. Trata-se de um exercício fútil, se não imoral.


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