O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta participou de live da IstoÉ na noite da terça-feira, 28. Em entrevista ao diretor editorial Carlos José Marques e ao diretor de redação da revista, Germano de Oliveira, Mandetta analisou a crise sanitária do coronavírus falou sobre como o governo, do qual fez parte por 15 meses, tem enfrentado a doença. “O governo federal se rendeu ao vírus, se entregou, e deixou o Brasil a reboque da doença”, afirmou ele.

Mandetta não poupou o presidente Bolsonaro de críticas ácidas, apesar de não citar o nome do mandatário em nenhum momento. “O presidente tem um comportamento errático diante da crise de saúde. A história vai julgar melhor o presidente. Estará registrado e retratado, de uma maneira indelével, o papel do presidente neste processo”, disse.

O ex-ministro desancou os militares e a presença maciça deles na Esplanada dos Ministérios. “O Exército não tem nenhuma tradição no sistema de saúde. De lá que não vai sair nada mesmo em termos de saúde pública, porque eles não têm conhecimento técnico. Não conseguiram nem sequer fazer uma compra internacional para abastecer o mercado. Eles estão ali esquentando o banco, esperando a promoção militar e a ordem de retirada para que o presidente possa, no momento oportuno, negociar politicamente o Ministério da Saúde”, critica.

Médico ortopedista filiado ao DEM, Mandetta foi deputado federal por Mato Grosso do Sul durante dois mandatos e votou a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Com retórica de candidato em palanque, Mandetta bateu forte no PT.

“O governo atual é irmão siamês do governo Lula”, alfineta. “Na iminência de sofrer um impeachment, o presidente faz como Lula e inicia a fase de entregar ministérios, com orçamentos fechados, em troca de apoio parlamentar”, argumenta e continua. “Essa solução de começar composição em nome da chamada governabilidade para afastar uma possibilidade de impeachment a mesma possibilidade que tinha lá no Lula, e naquela época funcionou. Porque as commodities estavam com vento de proa, o Brasil era a bola da vez.”

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“A gente vê agora exatamente isso, o governo se aproveitando do mesmo programa de vale-renda. Experimentou, gostou da resposta da classe mais pobre, dessa política direta de injeção na veia”, disse.

“Nessas horas, a gente vê quanto eles são parecidos inclusive no comportamento, naquela situação sempre do ataque, sempre um jogo de manipulação e sempre num jogo de polarização. São muito parecidos no quesito do aparelhamento absoluto e, quando ele se desfaz, quando ele começa a derreter, eles partem para o toma lá dá cá, para o fisiologismo que compõem com o Congresso Nacional.”

Na conversa, ele revela momentos vividos no governo. Falou que no início da crise sanitária mostrou números para o presidente, as previsões e os cenários.

“Nunca falei em público porque achava que poderia levar terror às pessoas. Achava que esse era o inimigo que a gente tinha de combater. Mostrei para o presidente que não poderíamos deixar o vírus andar sem fazer nada. O cenário é muito grave, mas essa era a política que ele queria. Quem pegar pegou”, lembra.

O ex-ministro diz que alertou Bolsonaro que a opção por esse caminho acabaria fazendo a doença perdurar por mais tempo. “Nós estamos alargando o tempo dessa pandemia.”

Para ele, provavelmente o país ainda estará com números altos em setembro. “Quando falo em números altos, as pessoas se embrutecem com essa doença. São cinco Boeings caindo na nossa cabeça todo dia. O novo normal começa por você não achar normal morrerem 1.200 pessoas da mesma doença a cada 24 horas ou as pessoas não se indignaram com isso. Nessa marcha fúnebre, devemos entrar no começo de agosto já com três dígitos de mortos. Essa herança, essa marca do desprezo pela doença, é de responsabilidade do presidente da República.”

Numa crítica à Organização Mundial da Saúde (OMS), Mandetta entende que faltou mais ênfase para o enfrentamento da pandemia. “Somente quando entrou no mundo ocidental é que nós vimos a dramaticidade dos sistemas de saúde entrando em colapso. Eu acredito que, se a OMS e a China tivessem dado melhores informações, o mundo teria sido preparado melhor”, diz.

Para o ex-ministro, o erro global é que o poder de compra e comercialização de produtos hospitalares ficaram concentrados na Ásia e nas mãos dos países ricos. No Brasil, ele avalia que “o grande erro daquele momento era o presidente trabalhar contra o papel do Ministério da Saúde, do seu próprio governo, tratando a pasta da Saúde como uma oposição ao seu governo”.

Segundo Mandetta, foi um momento errático, porque, se Bolsonaro tivesse tomado posição da lógica de saúde, humanitária, de liderar uma Nação, o resultado seria outro. “Eu não ia abrir mão do caminho das ciências, do foco, da disciplina, da tomada de decisões baseada em evidências.”

Ainda de acordo com o ex-ministro, com a entrada dos militares na pasta da Saúde, começou o desmanche da equipe. “Sem técnicos, a opção do governo foi botar uma turma para bater em retirada do campo de batalha. O governo federal se rendeu ao vírus, se entregou, e deixou o país a reboque da doença. Ele deixou de considerar que uma vida conta e que a gente não podia ter deixado ninguém para trás. E agora, a gente vê esta situação lamentável.”

“Sem fundamento científico, num movimento muito mais político do que de saúde e sempre jogando a culpa no governador, no prefeito ou no ex-ministro, sempre procurando tirar o bode da sala, dizendo que não tem nada a ver com isso daí. Num determinado momento, o presidente começou a ser assessorado de pessoas que falavam o que ele queria escutar”.


Na live, o ex-ministro falou sobre o tratamento de Bolsonaro com a cloroquina. “O presidente foi monitorado o tempo todo, com a vaga no CTI reservada para arritmia cardíaca, uma equipe aguardando caso ele tivesse qualquer problema, com uma ambulância na porta, mas como garantir toda essa estrutura para a massa das pessoas? Um ser político não gosta de ficar ao sol com seus erros. Então, ele prefere que nós gastemos o nosso tempo discutindo a eficácia ou não da cloroquina. O problema não é o remédio, mas, exatamente, a falta de compromisso em reduzir a transmissão da doença.”

Sobre o futuro político, Mandetta faz o discurso que só o futuro apontará seu caminho. “Eu quero participar ativamente em 2022. Vou dar minha opinião, vou apoiar aquele que eu achar que é um nome de consenso. Ótimo que meu nome esteja dentro desse cenário. Tenho 55 anos e posso colaborar muito com o olhar social, com olhar humanista, que aprendi durante a vida. Neste momento, estou muito preocupado em tentar ajudar a encontrar um caminho para a maior crise da minha geração. Ter responsabilidade para enfrentar essa briga. Depois das eleições municipais, em 2021 vai ter um ano inteiro para a gente ver o que é que vem por aí. Vamos deixar 2022 em 2022 e vamos viver 2020.”

O ex-ministro finaliza a entrevista anunciando que vai lançar em agosto, pela editora Companhia das Letras, um livro com as histórias de quando era ministro da Saúde.

“A gente vai colocar todas essas histórias, alguns momentos dramáticos, coisas que ocorreram, mas é basicamente para deixar um registro para que a gente saiba com o Ministério da Saúde se posicionou enquanto eu estive ali naqueles 90 dias. Vai ter muito barulho”, alerta.


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