O coronel Guilherme Hudson aparece nos áudios da ex-cunhada de Bolsonaro como o responsável por recolher dinheiro das “rachadinhas” (Crédito:Divulgação)

A sedução da vida próxima ao poder do Palácio do Planalto revela a índole dos mais fracos. Os militares não estão ilesos neste contexto. Conforme aprofundam-se as apurações da CPI da Covid, novos nomes de integrantes das Forças Armadas surgem como envolvidos nos malfeitos no combate ao coronavírus. O desgaste da imagem dos fardados acontece numa velocidade ímpar. Logo eles que eram anunciados como os últimos bastiões da honestidade. A vergonha para toda a caserna é evidente. Levantamento feito pela procuradora do MP, Élida Graziane Pinto, aponta o desvio de R$ 140 milhões de verbas do SUS para gastos no Ministério da Defesa. Caso o governo Bolsonaro se envolvesse em atos de corrupção, como de fato ocorre, viriam dos quartéis os quadros que combateriam os deslises. Ledo engano.

No Senado, o discurso de consenso é que as investigações não vão poupar os militares. O presidente da CPI, senador Omar Aziz, disse que “não é uma questão de militar ou não militar. Investigamos qualquer pessoa que tenha algum indício de envolvimento”. O caso mais grave é do general Eduardo Pazuello. A maioria das denúncias de corrupção aconteceu enquanto ele esteve à frente do Ministério da Saúde. O aparelhamento da pasta ficou evidente. A justificativa era que o orçamento vultoso do ministério seria protegido da cobiça dos políticos.

Finda a farsa da proteção militar, especialmente com as denúncias do servidor Luis Ricardo Miranda e do representante comercial Luiz Dominguetti, vários fardados estão sendo investigados. Os principais são: o coronel Antônio Elcio Franco, o coronel Alexandre Martinelli Cerqueira, o coronel Marcelo Bento Pires, o tenente-coronel Marcelo Blanco e o tenente-coronel Alex Lial Marinho. Eles teriam pressionado funcionários do Ministério da Saúde pela compra da Covaxin e participado das negociações que propuseram uma comissão de U$ 1 por dose de vacina. O general Santos Cruz, que participou do governo Bolsonaro, condenou a maneira que os militares aparecem no noticiário. “A politização das Forças Armadas para interesses pessoais e de grupos precisa ser combatida. É um mal que precisa ser cortado pela raiz”.

Tabu da anistia

As Forças Armadas, geralmente, são compostas por cidadãos honestos, pondera a cientista política Juliana Fratini. No entanto, há um marco na história do Brasil em que houve acordo para não se punir os militares, no pós-ditadura (1964-1985). “É escassa a divulgação de crimes de corrupção cometidos por eles quando estão no poder. Espera-se que agora, em que estamos realmente em uma democracia, e temos instituições consolidadas, os corruptos de alta patente possam ser devidamente punidos”. A história de corrupção durante os governos militares é um tema tabu e ficou adormecido com a anistia na redemocratização.

O mal-estar nas Forças Armadas ficou evidente com a demissão do ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo, em 29 de março. Um dia depois os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica fizeram renúncia coletiva em apoio ao general Azevedo. Na época duas hipóteses rondavam os motivos. Primeiro a insubordinação dos militares que se recusavam a apoiar um discurso golpista do presidente. E, segundo um desconforto pela atuação de militares dentro do governo que comprometia o bom nome das Forças Armadas. É mais provável que sejam os dois fatores.

Além das evidências de envolvimento de corrupção dos militares com a compra de vacinas, o áudio vazado pela ex-cunhada do presidente, Andrea Siqueira Valle, revela um esquema de corrupção com as rachadinhas que teria a participação do coronel da reserva do Exército, Guilherme dos Santos Hudson. O militar era responsável por recolher o salário dos servidores do gabinete do senador Flávio Bolsonaro, na época deputado estadual. Hudson foi colega de Bolsonaro na Academia das Agulhas Negras e é tio da ex-mulher do presidente. O rolo envolve militares e família, bem no estilo Bolsonaro.