Khurma emprestou os sapatos de sua vizinha para ir até Pol-e Alam buscar uma modesta ajuda para que afegãos vulneráveis sobreviverem ao rigoroso inverno.

Com uma gasta burca azul, a viúva de 45 anos e mãe de seis filhos espera receber 3.200 afeganis (44 dólares ou cerca de 217 reais na cotação atual) do Programa Mundial de Alimentos (PMA) na capital da província oriental de Logar, onde os termômetros podem marcar -18 ºC.

“Quando o inverno começou a se aproximar a situação já estava catastrófica” no Afeganistão, disse Caroline Gluck, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para los Refugiados (Acnur). “Agora temos grandes emergências”, afirma.

Desde que três terremotos destruíram ou deixaram inabitáveis, em outubro, 31.000 lares em Herat, oeste do país, dezenas de milhares de pessoas dormem em barracas.

Além disso, meio milhão de afegãos perseguidos no Paquistão voltaram “no pior momento do ano” para um país com a economia enfraquecida, sob sanções internacionais.

Um deles é Rabbani, de 32 anos. Como refugiado, tem direito a ajuda do PMA: 50 quilos de farinha, seis quilos de feijão vermelho, cinco litros de óleo e meio quilo de sal para sua família de sete pessoas.

Mas “não há trabalho”, lamenta.

– “Urgência alimentar” –

Shakar Gul, uma mulher de 67 anos, recebe seus 3.200 afeganis, a primeira das seis parcelas mensais previstas.

“Nós, adultos, se não temos o suficiente para comer por vários dias, tudo bem, mas não deixamos nossas crianças morrerem de fome”, explica.

Com esse dinheiro pode comprar “um saco de farinha, cinco litros de óleo, chá e açúcar” para uns 15 dias.

“Pessoas excluídas (das doações) também vêm, especialmente mulheres. Ficam nervosas, mas explicamos que há pessoas mais necessitadas”, explica o responsável pelo centro, Baryalai Hakimi.

As crises em todo mundo reduziram as doações ao Afeganistão. Em dezembro, o pedido da ONU para arrecadar 3,2 bilhões de dólares (cerca de 15 bilhões de reais) para o país atingiu apenas 40% do objetivo.

Bibi Raihana tem oito filhos, um marido preso e problemas de saúde. “Meu nome não estava nas listas. Não me deram nada”, lamenta entre lágrimas.

“Neste inverno, 15,8 milhões de afegãos precisam de ajuda e 2,8 milhões estão em urgência alimentar”, disse Philippe Kropf, porta-voz do PMA.

Somente seis milhões serão atendidos no país assolado por quatro décadas de conflitos e muito afetado pela mudança climática.

Os mais necessitados reduzem progressivamente suas porções, pulam refeições, emprestam de vizinhos ou tiram as crianças da escola para trabalharem. Em casos extremos chegam a vender seus filhos.

Allaudin, da província de Badghís, disse ao PMA que vendeu sua filha pequena para comprar 60 quilos de sementes de trigo. Porém, a seca impediu qualquer colheita.

A uma hora de estrada de Pol-e Alam, em pleno deserto, o PMA, que fornece 90% da ajuda alimentar no Afeganistão, distribui farinha, óleo e lentilha no distrito de Baraki Barak.

Zulfiqar, de 77 anos, conta que sua família às vezes não tem o que comer por dois ou três dias.

“Quando não sobra nada, nos enrolamos em uma manta e dormimos”, diz o homem sem dentes.

– “Tentamos sobreviver” –

O governo talibã não oferece ajuda aos necessitados, mas dá uma pequena quantia na fronteira com o Paquistão aos afegãos que voltam ao país.

Muitos destes refugiados buscam ajuda do Acnur nos subúrbios pobres de Cabul. A ajuda máxima é de 375 dólares (1.850 reais), mas normalmente recebem muito menos porque precisam apesentar documentos.

Benazira, com oito filhas, um filho e um marido doente, recebeu 340 dólares do Acnur. Nunca havia visto as notas verdes.

A família voltará com o dinheiro para Nangarhar, no leste, onde dorme em uma serralheria com todas as janelas quebradas.

“Não posso nem imaginar como passaremos o inverno”, disse a mulher de 34 anos. “Apenas Deus está conosco”.

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