24/06/2021 - 18:22
Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) – Centenas de milhares de mortes por Covid-19 poderiam ter sido evitadas no Brasil caso medidas recomendadas pela ciência tivessem sido tomadas pelas autoridades desde o início da pandemia, avaliaram especialistas em depoimento à CPI da Covid no Senado nesta quinta-feira.
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Para a médica Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional, medidas de contenção da disseminação do vírus com base na vigilância epidemiológica, testagem para identificação dos infectados e as chamadas medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras e o distanciamento físico, poderiam ter surtido efeito e reduzido o número de mortes.
“Se tivéssemos agido como era preciso a gente poderia, ainda no primeiro ano de vida, ainda no primeiro ano de história da pandemia entre nós, nas 52 primeiras semanas epidemiológicas, ter salvo 120 mil vidas”, afirmou.
O Brasil tem o segundo maior número de mortes por Covid-19 no mundo, com mais de 507 mil óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos. Atualmente, o país é o epicentro da pandemia no planeta, sendo responsável por uma de cada quatro mortes no mundo pela doença.
Ao citar dados de estudo do grupo Alerta, que reúne entidades e pesquisadores, Werneck afirmou que nas primeiras 52 semanas da pandemia no Brasil, houve um excesso de 305 mil mortes –óbitos acima do esperado normalmente– no país.
“O estudo que o grupo Alerta traz aqui tem informações muito objetivas em relação às mortes evitáveis. Nós demonstramos, a partir dos dados disponíveis nos sistemas oficiais, que houve um excesso de mortes, nas primeiras 52 semanas, de 305 mil, do tamanho de 305 mil, e demonstramos, com base em estudos de excelência, que as medidas não farmacológicas que já estavam conhecidas no primeiro ano da pandemia, se elas tivessem sido utilizadas de forma intensa, teriam reduzido a mortalidade”, defendeu.
Na mesma linha, o epidemiologista Pedro Hallal afirmou que se fossem adotados “diferentes mecanismos de ação”, inclusive a célere aquisição de vacinas, poderiam ter sido salvas 400 mil vidas. O cálculo do epidemiologista considera as mortes que poderiam ser evitadas caso o país apresentasse condições de enfrentamento à pandemia equivalentes à média mundial.
“O Brasil é um dos piores países do mundo na reposta à Covid-19. Não há outra justificativa que não a postura anticiência adotada no país”, afirmou Hallal.
“Investir na aquisição da imunidade de rebanho foi uma estratégia inicialmente equivocada… Mas, depois de um certo tempo, se torna uma estratégia repugnante, com toda a evidência científica apontando que a imunidade de rebanho por infecção natural não era atingível pra Covid-19. Quatro de cada cinco mortes não teriam ocorrido se estivéssemos na média mundial. E entre 95 e 145 mil mortes foram causadas pela demora em comprar as vacinas“, apontou.
Nenhum dos dois quis opinar, quando questionados, sobre a possibilidade de autoridades públicas terem cometido crimes na gestão do combate à pandemia. Indicaram, no entanto, que há responsabilidades.
“Eu, como representante do grupo Alerta e da Anistia Internacional, não estou posicionada para afirmar se há crimes. Mas eu consigo afirmar responsabilidades. Afinal, lideranças têm de dar o exemplo. Lideranças não podem propagar desinformação. Lideranças não podem propagar curas milagrosas. Lideranças não podem dividir em vez de agregar”, disse Werneck.
O presidente Jair Bolsonaro tem se posicionado desde o início da pandemia contra medidas de restrição de circulação de pessoas e uso de máscaras. Ele questionou a eficácia e ridicularizou vacinas e recomendou, em diversas declarações, o que vem sendo chamado de tratamento precoce, com a utilização de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19.
“Se isso será ou não tipificado como crime, não cabe a mim responder. Cabe aos colegas da CPI. É uma função de vocês, dos senhores e das senhoras. Cabe aos órgãos investigativos. Mas eu posso lhe dizer que, das 400 mil mortes a mais que tivemos em comparação ao que seria esperado, o grande responsável é o presidente da República. Se é crime ou não, essa é uma afirmação que não sou eu que devo responder”, disse Hallal.