01/10/2021 - 9:30
O problema de celebrar um marco, para qualquer governo, é quando ele não tem realizações a comemorar. É o caso da gestão Bolsonaro. Ao trombetear os mil dias de gestão, o mandatário mobilizou toda a equipe para projetar uma imagem de dinamismo, mas vendeu um fiasco. Uma comitiva de ministros foi organizada para rodar o País. Qualquer inauguração valia, numa agenda típica de currais eleitorais. Todas as unidades da Federação deveriam receber a visita de pelo menos um membro do governo. O presidente compareceria ao longo da semana em pelo menos um estado de cada região do País. A questão é que o próprio elenco de obras é uma prova da inércia e da falta de rumos da administração. A lista incluiu praça de esportes, entrega de ônibus, títulos agrários, moradias populares, unidade da Polícia Rodoviária Federal e pontos de wifi.
Celebração começou com programa da Caixa feito para driblar regras orçamentárias
O pontapé das festividades ocorreu um dia depois de o presidente testar negativo para Covid, após a contaminação de quatro membros da delegação oficial que o acompanharam no discurso da ONU, na semana anterior (um deles é o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que ficou retido em quarentena nos EUA). Foi o lançamento de um programa de microcréditos da Caixa Econômica Federal no Palácio do Planalto, na segunda-feira. O presidente do banco, Pedro Guimarães, participou de forma virtual pois era um dos contaminados na viagem. Esse próprio programa é um símbolo de populismo econômico e do uso político do banco, facetas dessa gestão. Mostra como o governo tem usado a instituição para driblar as restrições no Orçamento. É um pacote de empréstimos de R$ 300 a R$ 1.000 concebido para driblar a dificuldade em lançar o novo Bolsa Família ou estender o Auxílio Emergencial. Na contramão do mercado, a instituição também diminuiu as taxas do crédito imobiliário, apesar da alta dos juros. O banco também foi usado para lançar um programa de crédito imobiliário subsidiado para policiais, base de apoio eleitoral do presidente.
Ministros em campanha
Em seguida, nada menos que 12 ministros, metade do governo, foram a campo. O festival de aglomerações (sem máscara) começou na terça-feira, na Bahia, quando Bolsonaro entregou pouco mais de 10 quilômetros de rodovias asfaltadas: 5,4 km de duplicação da BR-116 e mais 5 km da BR-101 (uma obra mais portentosa do que a ponte de 18 metros de comprimento no Amazonas, inaugurada em agosto, em cerimônia que consumiu R$ 711 mil, quase três o valor da própria ponte). No mesmo dia, em Alagoas, o presidente participou da entrega de 200 casas. Em um dos eventos, chamou para o palco o ex-presidente Fernando Collor, um aliado que provocou vaias da plateia. Na quarta-feira, dez ministros se dirigiram a Roraima, para a inauguração da Usina Termelétrica de Jaguatirica. Na sexta, a escala era em Maringá, no Paraná, reduto eleitoral do encrencado líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, para inaugurar a reforma do aeroporto da cidade. Mais do que exibir um governo em ação, a programação virou um palanque para ministros que serão candidatos em 2022. Além de Barros, ganharam palco para suas pré-campanhas Ciro Nogueira (no Piauí), Fábio Faria (no Rio Grande do Norte), Gilson Machado (em Pernambuco) e João Roma (na Bahia). O próprio Pedro Guimarães, da Caixa, é cotado para uma vaga no Senado, mas mantém na mira o governo do Rio e já sonhou até com a vaga de vice de Bolsonaro no ano que vem.
Em termos de realizações, o País não tem nada a comemorar. A gestão Bolsonaro até o momento foi responsável por uma atitude criminosa que multiplicou os óbitos na pandemia, deixou a economia em frangalhos com a volta da inflação e a fuga de investidores, desmontou a educação, agrediu o meio ambiente, asfixiou a ciência e patrocinou uma legislação armamentista. Bolsonaro não deixará nenhum legado além da tentativa de acabar com a democracia. O delírio liberal de Paulo Guedes, até o momento, escondeu apenas mais um avanço populista irresponsável sobre o Estado e o desmonte da política de responsabilidade fiscal duramente conquistada na redemocratização. Desde 2019, não ocorreu nenhuma privatização, mas duas novas estatais foram criadas. O “choque de energia barata” propagandeado pelo ministro nunca aconteceu. Ao contrário, os preços no setor explodiram e o País está na iminência de um novo apagão.
“Os 1000 dias de Bolsonaro representam um atraso absurdo em todas as áreas, mas uma em particular exige atenção: quem se elegeu para ‘mudar tudo isso aí’ se juntou ao PT e o Centrão para acabar com a Lava Jato e atrasar todo o trabalho de combate à corrupção”, disparou o senador Alessandro Vieira sobre as comemorações. Antes de mais nada, o espetáculo representou uma tentativa desesperada de melhorar a imagem do governo e estancar a queda na popularidade de Bolsonaro. Além de um show de improviso, os eventos viraram uma mal-disfarçada campanha eleitoral antecipada. Para o País, o problema são os 457 dias que ainda faltam para o governo acabar.