O problema de celebrar um marco, para qualquer governo, é quando ele não tem realizações a comemorar. É o caso da gestão Bolsonaro. Ao trombetear os mil dias de gestão, o mandatário mobilizou toda a equipe para projetar uma imagem de dinamismo, mas vendeu um fiasco. Uma comitiva de ministros foi organizada para rodar o País. Qualquer inauguração valia, numa agenda típica de currais eleitorais. Todas as unidades da Federação deveriam receber a visita de pelo menos um membro do governo. O presidente compareceria ao longo da semana em pelo menos um estado de cada região do País. A questão é que o próprio elenco de obras é uma prova da inércia e da falta de rumos da administração. A lista incluiu praça de esportes, entrega de ônibus, títulos agrários, moradias populares, unidade da Polícia Rodoviária Federal e pontos de wifi.

Celebração começou com programa da Caixa feito para driblar regras orçamentárias

O pontapé das festividades ocorreu um dia depois de o presidente testar negativo para Covid, após a contaminação de quatro membros da delegação oficial que o acompanharam no discurso da ONU, na semana anterior (um deles é o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que ficou retido em quarentena nos EUA). Foi o lançamento de um programa de microcréditos da Caixa Econômica Federal no Palácio do Planalto, na segunda-feira. O presidente do banco, Pedro Guimarães, participou de forma virtual pois era um dos contaminados na viagem. Esse próprio programa é um símbolo de populismo econômico e do uso político do banco, facetas dessa gestão. Mostra como o governo tem usado a instituição para driblar as restrições no Orçamento. É um pacote de empréstimos de R$ 300 a R$ 1.000 concebido para driblar a dificuldade em lançar o novo Bolsa Família ou estender o Auxílio Emergencial. Na contramão do mercado, a instituição também diminuiu as taxas do crédito imobiliário, apesar da alta dos juros. O banco também foi usado para lançar um programa de crédito imobiliário subsidiado para policiais, base de apoio eleitoral do presidente.

INFECTADO O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, participou à distância do início das comemorações (Crédito:José Cruz/Agência Brasil)

Ministros em campanha

Em seguida, nada menos que 12 ministros, metade do governo, foram a campo. O festival de aglomerações (sem máscara) começou na terça-feira, na Bahia, quando Bolsonaro entregou pouco mais de 10 quilômetros de rodovias asfaltadas: 5,4 km de duplicação da BR-116 e mais 5 km da BR-101 (uma obra mais portentosa do que a ponte de 18 metros de comprimento no Amazonas, inaugurada em agosto, em cerimônia que consumiu R$ 711 mil, quase três o valor da própria ponte). No mesmo dia, em Alagoas, o presidente participou da entrega de 200 casas. Em um dos eventos, chamou para o palco o ex-presidente Fernando Collor, um aliado que provocou vaias da plateia. Na quarta-feira, dez ministros se dirigiram a Roraima, para a inauguração da Usina Termelétrica de Jaguatirica. Na sexta, a escala era em Maringá, no Paraná, reduto eleitoral do encrencado líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, para inaugurar a reforma do aeroporto da cidade. Mais do que exibir um governo em ação, a programação virou um palanque para ministros que serão candidatos em 2022. Além de Barros, ganharam palco para suas pré-campanhas Ciro Nogueira (no Piauí), Fábio Faria (no Rio Grande do Norte), Gilson Machado (em Pernambuco) e João Roma (na Bahia). O próprio Pedro Guimarães, da Caixa, é cotado para uma vaga no Senado, mas mantém na mira o governo do Rio e já sonhou até com a vaga de vice de Bolsonaro no ano que vem.

Em termos de realizações, o País não tem nada a comemorar. A gestão Bolsonaro até o momento foi responsável por uma atitude criminosa que multiplicou os óbitos na pandemia, deixou a economia em frangalhos com a volta da inflação e a fuga de investidores, desmontou a educação, agrediu o meio ambiente, asfixiou a ciência e patrocinou uma legislação armamentista. Bolsonaro não deixará nenhum legado além da tentativa de acabar com a democracia. O delírio liberal de Paulo Guedes, até o momento, escondeu apenas mais um avanço populista irresponsável sobre o Estado e o desmonte da política de responsabilidade fiscal duramente conquistada na redemocratização. Desde 2019, não ocorreu nenhuma privatização, mas duas novas estatais foram criadas. O “choque de energia barata” propagandeado pelo ministro nunca aconteceu. Ao contrário, os preços no setor explodiram e o País está na iminência de um novo apagão.

“Os 1000 dias de Bolsonaro representam um atraso absurdo em todas as áreas, mas uma em particular exige atenção: quem se elegeu para ‘mudar tudo isso aí’ se juntou ao PT e o Centrão para acabar com a Lava Jato e atrasar todo o trabalho de combate à corrupção”, disparou o senador Alessandro Vieira sobre as comemorações. Antes de mais nada, o espetáculo representou uma tentativa desesperada de melhorar a imagem do governo e estancar a queda na popularidade de Bolsonaro. Além de um show de improviso, os eventos viraram uma mal-disfarçada campanha eleitoral antecipada. Para o País, o problema são os 457 dias que ainda faltam para o governo acabar.