Homenageia-se nesse ensaio a fotógrafa mineira Vania Toledo, uma das principais retratistas do Brasil e conceituada internacionalmente (faleceu no último dia 16, aos 75 anos). E elege-se imagens femininas, feitas para o livro e exposição “Personagens Femininos”, pela excelência da obra e também porque esse trabalho significou-lhe um novo olhar por meio das lentes. Certa vez, Vania contou que o seu marido colecionava revistas com mulheres nuas, enquanto a nudez que ela via era tão somente a masculina ­— a do esposo e a do filho. Essa percepção inspirou-lhe o livro “Homens” (1980), mas foi bem mais além: fez com que lhe brotasse a ideia de retratar mulheres, sobretudo artistas. Nuas? Não, não era esse o sentido. Fazia-se ele bem mais amplo e profundo, adentrando o campo da condição feminina no País. Falou-se acima de um “novo olhar”, pois bem, ele veio, assim, naturalmente como decorrência do gênero oposto ­— um olhar pelo avesso, um olhar libertador para os duros limites que na época ainda eram impostos socialmente à condição feminina. É daí que nasce a ideia de retratar mulheres, sobretudo artistas ­— uma série foi produzida em 1984 e a outra, sete anos depois. Conhecedora da alma humana e dotada de uma rara sensibilidade, tudo que Vania fazia tinha o destino da posteridade. Não foi diferente com “Personagens Femininos”.

A VIDA POR UM CLIQUE Vania, em 2009: prestígio internacional como retratista (Crédito:TIAGO QUEIROZ)

Ela deu às fotografadas a oportunidade de interpretarem aquilo que achassem que seria um papel definitivo em suas vidas. Mais: “foi aí que me dei conta de que a grande felicidade de uma mulher atriz é poder fazer o papel que ela quiser: mãe, prostituta, Nossa Senhora da Aparecida (…)”. Um show de talento de interpretações com nomes monumentais da arte cênica brasileira desfilou diante de seus cliques: Fernanda Montenegro, Marília Pera, Vera Fischer, Giulia Gam, Marieta Severo, Glória Pires, Zezé Mota, Regina Casé, para citar apenas algumas atrizes. Vem dessa época e desse trabalho uma das mais geniais falas de Vania, a partir da ciência da sociologia (ela era formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo), sobre o universo das mulheres no Brasil: “o teatro dá oportunidade para a atriz ter uma liberdade que nós, mulheres, não temos no palco da vida”. Vania se autointitulava “rainha do preto e branco”, e foi em preto e branco que se consagrou, usando o fundo para a criação de climas e ambientes confortáveis, seguindo os passos do fotógrafo que mais admirava: o americano Irving Pen. “Gosto das nuances dos diferentes tons de preto, branco e cinza”, costumava dizer Vania. “Vejo infinitas cores, mil tons aí”.