19/04/2017 - 17:13
Para sair de uma depressão, a escritora Ayelet Waldman testou vários tratamentos em vão. Por fim, encontrou a solução em LSD diluído, algo já usado por outros adeptos das “microdoses” da droga, uma tendência em voga nos Estados Unidos.
“Estava começando a me sentir, francamente, suicida”, disse à AFP esta ex-defensora pública de San Francisco, Califórnia, de 52 anos.
Pensando que não tinha “nada a perder”, um dia colocou duas pequenas gotas da substância psicodélica na língua. Logo depois, sentiu sua melancolia diminuir.
“Dado que a outra opção era a morte, ou uma angústia muito parecida com a morte, não havia motivo para, pelo menos, não experimentar algo diferente” para tentar se sentir melhor, explica.
Waldman conta que recuperou o ânimo com as “microdoses”, uma tendência ilegal e potencialmente arriscada que consiste na ingestão de uma porção quase imperceptível de uma droga psicodélica, em geral LSD ou cogumelos alucinógenos.
O objetivo não é experimentar estados alterados de consciência, mas aumentar o rendimento no trabalho e a criatividade – ou, como no caso de Waldman, tratar uma série de doenças, incluindo transtornos de humor.
“Desde o primeiro dia me senti melhor. A depressão simplesmente foi embora, foi incrível”, contou a escritora.
Ela atribui a melhora das relações com o seu entorno e das suas condições de trabalho às doses diárias de cerca de 10 microgramas de ácido (cerca de um décimo de um inteiro), que produzem sensações “caleidoscópicas”.
– Mais energia –
Essas doses mudaram sua forma de escrever, assegurou. “A sua mente se move rápido, mas não de maneira imprevisível, com uma espécie de concentração muito agradável”, conta.
A “microdose” tem adeptos além do círculo de aventureiros da psicodelia, especialmente entre os jovens profissionais do Vale do Silício, na Califórnia, que buscam impulsionar suas carreiras.
Seu uso crescente se deve a vários ‘podcasts’ influentes e ao último livro de Ayelet Waldman, no qual ela descreve como esta droga microdosificada a ajudou a sair da sua montanha russa maníaco-depressiva.
O LSD (dietilamida do ácido lisérgico) é uma droga sintética que se popularizou na contracultura dos anos 1960. Em grandes doses, pode produzir alucinações e alterar consideravelmente a percepção e as funções cognitivas por longos períodos de tempo.
Carl (nome fictício), de 29 anos, trabalha para um meio de comunicação em Washington. Ele contou à AFP que no ano passado tomou microdoses de LSD meia dúzia de vezes para trabalhar.
O experimento o ajudou a manter a concentração: “Você tem mais energia, o núcleo da sua consciência continua ali, mas você talvez esteja um pouco mais conectado com o seu entorno”.
Oliver, de 25 anos e cujo nome verdadeiro também foi ocultado, descreveu a sensação como uma “euforia muito suave” e uma concentração maior. “Acho que isso se deve à capacidade do LSD de tornar tudo interessante e coerente”, apontou, explicando que dessa forma ele ficava com “vontade de trabalhar”.
– Riscos desconhecidos –
Os riscos potenciais de toxicidade do ácido lisérgico a longo prazo são desconhecidos, diz Matthew Johnson, especialista em vício e abuso de drogas da Universidade Johns Hopkins.
As microdoses “não são estudadas em absoluto” por motivos jurídicos e financeiros, disse o especialista.
Desde 1966, foram aprovadas várias legislações que criminalizam o uso de LSD.
O governo dos Estados Unidos o classifica entre as substâncias alucinógenas proibidas desde 1970, na mesma categoria da heroína, a psilocibina (ingrediente ativo de certos cogumelos) e a mescalina (extrato de cactos ou sintetizada em laboratório). Com isso, o estudo dos possíveis usos medicinais das drogas psicodélicas foi interrompido.
Um dos riscos óbvios desta prática é a possibilidade de ingerir substâncias adulteradas ou mal dosificadas, aponta Johnson. Além disso, como as doses são muito pequenas, o efeito percebido como positivo poderia ser um efeito placebo, disse.
– Morte ou delito –
No entanto, é “muito possível que (as microdoses) tenham efeitos antidepressivos e de melhora da função cognitiva”, afirmou.
Seus próprios estudos sobre o uso de alucinógenos para ajudar os pacientes com câncer a superar a angústia e a depressão, ou para ajudar os fumantes a deixar o tabaco, produziram resultados animadores, assegura Johnson.
O aspecto legal finalmente fez com que Waldman desistisse de continuar tomando as microdoses. Ela obteve seu primeiro LSD, suficiente para 30 dias, através do amigo de um amigo, mas conseguir mais lhe causou certa ansiedade.
Como ex-defensora de viciados, diz não estar disposta a correr esse risco, e não pretende tomar LSD de novo até que seu uso seja permitido – a não ser, esclarece, que comece a se sentir suicida “outra vez”.
“Se se tratar de uma escolha entre morrer ou cometer um delito, vou cometer um delito”, conclui.