O Bradesco, segundo maior banco privado do País, está animado com as perspectivas da economia para este ano. Considera que as empresas estão mais dispostas a investir no aumento da produção em razão dos baixos juros que desestimulam aplicações financeiras, embora tema que os efeitos do coronavírus possam provocar reflexos negativos na economia mundial. Apesar dos traumas que a epidemia possa causar à economia brasileira, o presidente da organização, Octavio de Lazari, vê a equipe econômica bem coordenada pelo ministro Paulo Guedes, entendendo que o Brasil está no caminho certo para o crescimento sustentado. O executivo, contudo, espera que o presidente Jair Bolsonaro não mexa no comando do Ministério da Economia e que não ameace, em hipótese alguma, a posição de Guedes. “Mexer com Paulo Guedes agora não seria salutar para o País”, advertiu. Afinal, é contando com o bom desempenho da economia neste ano que Lazari acredita que o PIB possa ficar acima de 2% para que o Bradesco continue crescendo em 2020 no mesmo ritmo do ano passado. Em 2019, o banco atingiu um lucro recorde de R$ 25,9 bilhões, com crescimento de 20%. “A expectativa é manter em 2020 a mesma rentabilidade que obtivemos em 2019”, disse Lazari, em entrevista exclusiva à ISTOÉ.

Como o senhor avalia o trabalho do ministro Paulo Guedes?
A equipe do Ministério da Economia como um todo, e aí eu pego o trabalho do Paulo Guedes, o trabalho do Gustavo Montezano, no BNDES, do Roberto Campos, no BC, do Salim Mattar, na desestatização, o que eles estão fazendo é tudo muito correto. Se olharmos o planejamento estratégico do que precisa ser feito, está tudo bem alinhado. No BC, temos um exemplo claro: a taxa de juros caiu para 4,25% e ele vem fazendo um grande trabalho para conter o preço do dólar, que descolou um pouco por conta do coronavírus. Deve-se ao fato de que muitos investidores estão indo para o mercado americano por conta da insegurança internacional, apesar da taxa de juros nos EUA ter batido o recorde histórico do nível mais baixo, de apenas 1%. Os investidores vão para lá porque é um porto seguro. Os investidores ficam com receio do que pode acontecer nos mercados dos países em desenvolvimento. Isso acontece sempre que há uma crise mais severa. Mas o trabalho da equipe econômica está muito adequado, gerando competição no mercado, trazendo novos concorrentes, Fintechs, empresas que até pouco tempo se tornaram grandes e abriram o capital, etc. Então, a economia está sendo bem conduzida. O planejamento estratégico está muito bom.

O presidente chegou a dizer que se Guedes não mostrar resultados práticos poderia ser substituído. O senhor acha que a economia entraria em parafuso se o ministro fosse trocado?
Qualquer mexida agora na equipe econômica, a substituição de Paulo Guedes, não seria salutar para o País. A equipe está bem ajustada. As pessoas que estão lá são competentes. Sabem o que precisa ser feito e estão no caminho correto. Mudanças agora não seriam saudáveis para o País. O Brasil precisa entrar em uma rota de crescimento e Paulo Guedes está fazendo tudo de maneira adequada.

Como o senhor vê a crise gerada pelas constantes declarações do presidente Bolsonaro que afrontam os outros poderes, o Legislativo e o Judiciário? Elas trazem insegurança ao setor financeiro?
Talvez tenha havido uma má interpretação do que o presidente disse. Acho que se intensificou muito o que ele falou. O mercado financeiro é muito sensível. Então, qualquer rumor, qualquer fala mal colocada, pode gerar rumores no mercado. Mas acho que isso já foi superado. O próprio presidente disse que ele não falou exatamente aquilo que foi publicado. Todos nós, tanto do mercado financeiro, da iniciativa privada, da sociedade, como do governo, precisamos equalizar os pontos para que possamos trabalhar na mesma direção, com o objetivo de buscar a saída para o momento de dificuldades por conta do coronavírus e possamos superar tudo de forma mais serena. O País precisa entrar numa rota de crescimento. No final das contas, o que nos interessa é que resolvamos o problema fiscal e que mais empregos sejam gerados. Precisamos manter o equilíbrio.

Como o senhor vê o fato de o presidente ter convocado manifestações para o próximo dia 15 em favor do governo e contra o Congresso e o Supremo?
Se a gente olhar o que o Congresso vem fazendo, tanto o Rodrigo Maia, como o Davi Alcolumbre, a gente vê que eles estão com a pauta certa, em linha com aquilo que o País precisa, para que a gente possa fazer as reformas. A Reforma Previdenciária foi um grande exemplo disso: as Casas se juntaram, definiram a melhor estratégia e fizeram a reforma possível. A tributária e a administrativa estão na mesma direção. Falta o governo entregar suas propostas ao Congresso para que as mudanças possam ser estudadas e implementadas. Tanto o Maia, quanto o Alcolumbre, estão fazendo aquilo que é melhor para o País.

Pode haver uma crise institucional?
Nós não precisamos de uma crise agora. Precisamos é que essas reformas caminhem rapidamente e de preferência que a gente tenha tudo isso resolvido até o meio do ano.

O senhor acha que o governo melhorou com Bolsonaro?
Acho que melhorou. Se a gente olhar o que aconteceu no Brasil nos últimos meses, você vai ver que o País melhorou. Eu ouço falar de Reforma da Previdência desde que eu me conheço por gente, e ela foi implementada. Nunca tivemos uma taxa de juros de 4,25% no País. Nunca tivemos uma inflação tão baixa. Os pilares necessários para que o País possa entrar numa rota de crescimento sustentável por longo prazo estão dados. O que precisa agora é a gente continuar com isso e não criar crises desnecessárias.

Há sinais de que 2020 será melhor do que 2019?
No final do ano, a gente percebeu um movimento mais latente de melhoria no faturamento das empresas, um consumo maior das pessoas físicas, as operações de crédito tiveram um crescimento adequado, o nível dos estoques das empresas estava baixo, fazendo-nos supor que as empresas iriam aumentar a produção para repor estoques. Então, todos os sinais mostravam a recuperação da economia. Os analistas, inclusive aqui do Bradesco e do próprio governo, começaram a falar em um crescimento de 2,2% ou 2,3% do PIB. Agora, estamos vivendo uma situação um pouco diferente, em função da chegada do coronavírus: a China reduzindo muito a sua produção, caindo pela metade, e a gente não sabe até quando isso vai se estender. Esperamos que não dure muito tempo e que o vírus não atinja o nívael de pandemia. Mas a verdade é que nós já perdemos um mês por conta do vírus.

Há economistas falando em crescimento de 2%…
Vários bancos internacionais estão falando em crescimento brasileiro de 1,8% a 1,9% do PIB, abaixo daquilo que havíamos previsto no final do ano, mas ainda é muito prematuro falar qualquer coisa, porque não sabemos por quanto tempo isso vai se estender. Se o vírus passar logo ou se os cientistas descobrirem uma vacina, os efeitos na economia serão menores.

Apesar da Reforma da Previdência, o Brasil não cresceu em 2019 como se esperava, pois o aumento do PIB ficou em 1,1%. O que deu errado em 2019 para a economia ter um crescimento aquém do esperado?
Não deu errado não! O problema foi o timing. Nós esperávamos que a Reforma da Previdência acontecesse no primeiro trimestre de 2019 e ai teríamos nove meses de carrego para a economia melhorar durante o ano. Mas acabamos terminando a reforma no último trimestre do ano. O tempo de carrego foi muito pequeno. Como nós entramos em 2020 com os benefícios da Reforma da Previdência, e estamos bem encaminhados quanto às reformas fiscal e a administrativa – que esperamos sejam aprovadas ainda no primeiro semestre, porque no segundo semestre nós teremos as eleições municipais, dificultando o trabalho no Congresso –, isso nos daria a expectativa de crescimento do PIB superior a 2%. Era o que acreditávamos. E acreditamos ainda, a não ser que o coronavírus não ceda rapidamente.

Mas o governo está demorando em apresentar as reformas tributária e administrativa ao Congresso, não?
Sim. E é justamente essa demora que nos preocupa, porque quanto mais tempo passa para que ela seja apresentada ao Congresso, um período mais longo será exigido para encerrarmos a discussão e teremos menos tempo para aprovar ainda este ano. Afinal, já estamos em março, quase perdendo um trimestre inteiro.

De um modo geral, o senhor vê motivos para ficarmos mais animados em 2020?
O ano de 2020 será muito melhor do que 2019, sob qualquer aspecto. O nosso senão é todo esse quadro, de atraso de reformas e do coronavírus, que não está só afetando nossa economia, mas está atingindo também toda a economia mundial. Basta ver a bolsa americana nos últimos quatro dias: o menor índice nas cotações. Tem problemas na Itália, na Espanha, na China, que é um grande consumidor de matéria-prima brasileira. Portanto, não dá para a gente ficar alheio a isso. Não sabemos a extensão desse impacto. Alguns falam em até 0,3% do PIB. Mas ainda estamos numa fase muito inicial.

Como o senhor vê a fixação da taxa Selic nos níveis mais baixos da história e a inflação sob controle? Esses fatores poderão estimular os investimentos?
Sem dúvida nenhuma isso vai estimular investimentos e os setores de infraestrutura, de energia elétrica, de telefonia, de estradas, enfim, todos os setores serão beneficiados. Eu tive oportunidade de viajar pelo Brasil inteiro e vi o setor do agronegócio com grande capacidade de expansão, sobretudo quanto ao aumento da produtividade. O setor automobilístico também está se recuperando bem. Então, há vários setores da economia com boas perspectivas para 2020. Esperamos que esses fatores que não estavam no nosso radar possam ser resolvidos rapidamente para manter o crescimento estimado.

O Bradesco decidiu que 100% de suas operações serão abastecidas por fontes de energia renováveis em 2020. Todos os prédios e agências do banco serão alimentadas com energia alternativa, como a solar?
São duas ações tomadas pelo Bradesco. A primeira, foi a de que toda a energia consumida pelo banco, no Brasil inteiro, em todas as suas unidades, serão abastecidas por energias renováveis. Só compraremos energia de empresas desde que ela seja certificada como sendo de fontes renováveis. Em 2020, isso já será em 100%. Temos algumas fazendas, como em Minas Gerais, onde produzimos energia solar e ela abastecerá algumas agências em Minas. Vamos ampliar com novas fazendas de energia solar ou eólicas, que fornecerão energia para um determinado número de agências. Será um processo sustentável de fornecimento de energia.

Há uma outra medida, mais ousada ainda, no sentido de que o banco só utilize energia renovável limpa, zerando a emissão de carbono. Como isso vai se dar?
Vamos compensar a emissão de carbono do banco neste ano de 2020, inclusive a emissão de carbono provocada pelo deslocamento de nossos funcionários de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Esse poluente será compensado com certificados de carbono zero.

Dá para controlar os 100 mil funcionários do banco?
Dá, porque isso é metrificado por instituições internacionais. Podemos calcular o quanto o deslocamento dos funcionários e o funcionamento de uma agência bancária é capaz de expelir em monóxido de carbono na atmosfera e daí compensaremos 100% desse volume.

É possível quantificar o que representa isso em volume de gás carbônico?
Esse volume representa o equivalente a 224 mil toneladas por ano de poluentes. Para isso, investiremos R$ 12 milhões.

De onde veio essa preocupação do banco com o meio ambiente? Foi depois que os investidores internacionais disseram no Fórum Econômico Mundial que o Brasil precisa preservar melhor a Amazônia?
Também veio dessa pressão dos investidores internacionais, mas há alguns anos o Bradesco vem em um ritmo mais acelerado para que o Brasil tenha uma preocupação sócio-ambiental mais robusta. Não só a corporação, mas também nossos funcionários. O problema da sustentabilidade e a questão social, são um problema do governo? Sim. Mas é também um problema das corporações. E, sobretudo, está na mudança do comportamento individual das pessoas. Ao longo dos anos, estamos trabalhando com os funcionários da nossa organização para que essa não seja só uma preocupação da corporação, mas seja uma preocupação de cada funcionário. Foi por isso que nós vamos poder atingir a meta de 100% de energia renovável e carbono zero já em 2020. Há empresas que vão atingir essa meta só em 2035. Logicamente, isso se associa a uma série de outras empresas, de investidores, de fundos internacionais que já manifestaram frontalmente que as empresas precisam se preocupar com o meio ambiente. Aliado a isso, temos participado do Fórum de Davos nos últimos sete anos e pudemos observar que a cada ano a preocupação com o meio ambiente, com o social e com a sustentabilidade vai ficando cada vez mais latente.

Os investidores internacionais advertiram em Davos que deixarão de investir no Brasil por causa das agressões ao meio ambiente, especialmente na falta de uma política de preservação da Amazônia? A imagem do Brasil por causa do desmatamento e das queimadas na Amazônia está abalada?
Eu participei de Davos ativamente, mas temos que entender que possuímos uma área de floresta que ninguém tem no mundo. A Amazônia é um continente. Boa parte da Europa não dá o tamanho da Amazônia: 66% da região é composta por florestas preservadas. Dadas as condições continentais dela, há uma dificuldade de se preservar, evitar queimadas e derrubada de árvores. Não é fácil cuidar de uma área de preservação do tamanho da Amazônia, mas acho que os esforços estão sendo feitos no sentido de se preservar bem a área. A gente está no caminho certo para preservar a floresta.

Além do meio ambiente, o banco também está preocupado com a desigualdade social e com a falta de oportunidade aos negros. Como funciona esse acordo com a Fundação Zumbi dos Palmares, que estimula a contratação de um maior número de trabalhadores afrodescendentes?
Das novas contratações, 47% dos aprendizes são negros e 28% dos estagiários também são afrodescendentes. Das novas contratações, um terço delas é de afrodescendentes. Do quadro total de empregados do banco (100 mil funcionários), 27% são negros. Ou seja, 27 mil funcionários do banco são afrodescendentes e a tendência é crescer ainda mais. A gente trabalha com a Fundação Zumbi dos Palmares desde 2005 porque é a essência da população brasileira. A gente não escolhe contratar negros apenas por causa da cor da pele. É que eles são competentes e têm as competências que nós necessitamos na organização. Estamos ampliando, inclusive, esse programa, com a contratação de refugiados. Acabamos de contratar quatro haitianos e uma moçambicana.