É impossível que alguém da minha geração não tenha alguma história com Pelé.
No mínimo, assistindo a Copa de 1970, onde Pelé definitivamente se consagrou como o maior jogador de futebol que já pisou nos gramados de todo o mundo.

Jogando futebol Pelé não foi um ser humano. Não foi um mito, ou uma lenda.
Pelé ultrapassou todos os limites e se transformou em sinônimo de Brasil e de futebol.
Em tempos onde não havia a difusão de informações que a internet proporciona, Pelé conquistou fama nos mais remotos pontos do planeta. Se transformou num embaixador de todos os esportes, conquistando o imaginário de bilhões, torcedores ou não.

Edson Arantes do Nascimento sabia disso.
Sabia tão bem, que quando contava histórias da carreira de Pelé, o fazia na terceira pessoa, como se estivesse se referindo a um amigo íntimo.

Não sou torcedor do Santos, como tantos que nasceram nos anos em que Pelé brilhou na Vila Belmiro.
Sou Corinthiano desde pequeno, neto de um avô Palmeirense, que gostava tanto de futebol, que nunca se incomodou em me levar aos jogos do Timão.

O rei ultrapassou as quatro linhas do futebol. Ele existe na história de cada um de nós

Nunca sequer se preocupou em mudar meu time preferido.
Lembro dele escutando os jogos do final de semana com um rádio de pilha num estojo de couro colado ao ouvido.
Em algum ponto do início dos anos 70, meu avô insistiu em me levar a um Corinthians x Santos.
Foi o primeiro jogo que assisti em um estádio.
Sentamos no antigo tobogã que, para quem não conheceu, ganhou esse nome por ser uma arquibancada inclinada, atrás de um dos gols do Pacaembu.

Quando o jogo começou, meu avô disse:
— Netucho (era assim que me chamava), tá vendo o camisa 10 do Santos? Fica olhando para ele, só para ele, o jogo inteiro!
— Mas ele é do Santos, vô!
— É. Mas quando você crescer, vai poder dizer que viu
o Pelé jogar.
Meu avô sabia que Pelé já estava em final de carreira. E sabia, também, que entraria para história.
Cresci. E, graças ao meu avô, posso dizer que vi Pelé jogar. Ao vivo, no Pacaembu.
Mas essa história não termina aqui.
Há uns oito anos, fui convidado para um jantar na casa de um amigo. Quando cheguei, lá estava ele. Pelé.

Imagino que fui o único que não sabia que ele estaria presente, pois ao longo do jantar os outros convidados se intercalavam levando camisas do Santos e da seleção, para que ele autografasse.

Eu não tinha camisa nenhuma para oferecer. Tive de improvisar com um pedaço de papel.
Timidamente me aproximei e perguntei:
— Pelé, será que você poderia dar um autógrafo para minhas três filhas?
Pelé me olhou sério e, por um segundo imaginei que ele poderia ter se ofendido por eu ter levado um papel ao invés
de um suporte mais nobre como uma camisa ou um livreto qualquer, só uma folhinha rasgada ao meio. Então ele disse:
— Três filhas? Então me traz três papéis, né?
Pense na quantidade de autógrafos que ele deu na vida.
Em como seria fácil simplesmente rabiscar seu nome num pedaço de papel para um estranho e pronto.
Mas era o Pelé.
Por isso sabia, como meu avô, a importância que tinha ao entrar da vida de alguém.
Terminado o jantar e os autógrafos, Pelé se sentou num sofá e, talvez por intimidar com sua presença, ficou sozinho ali, por alguns minutos.

Não sei de onde tirei coragem, ou cara de pau, mas fui sentar ao seu lado.
Sei lá porque, quis contar a ele a história do meu avô no Pacaembu.
Ele ouviu com carinho.
Então passou a me contar histórias daquela época. De como gostava de jogar contra o Corinthians de Rivellino, ainda mais no Pacaembu.

Escutei em silêncio incrédulo por cerca de 20 minutos.
Vinte infinitos minutos, escutando aquele gigante a contar histórias apenas para mim.
No final, segurou minha mão e sorriu.
E meu avô, em algum lugar do céu, sorriu junto.