A primeira semana de depoimentos de testemunhas de acusação deu aos ministros do STF mais convicção de que Jair Bolsonaro se empenhou em levar adiante o plano de dar um golpe de Estado. Ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica deixaram claro que o então presidente convocou reuniões e era um dos mentores da ideia de permanecer no cargo após a derrota nas urnas em 2022.
Se nesse ponto os então chefes das Forças Armadas foram unânimes, em outros aspectos entraram em contradição. A principal delas foi sobre como o general Marco Antônio Freire Gomes, que comandava o Exército, reagiu aos ímpetos golpistas de Bolsonaro.
O general disse em depoimento ao STF que, se Bolsonaro não agisse conforme as leis e a Constituição, ele poderia ter um “problema sério” e ser enquadrado juridicamente. Freire Gomes negou que tivesse ameaçado o então presidente com uma ordem de prisão. No ano passado, ele havia dito à Polícia Federal que alertou Bolsonaro quanto à possível responsabilização penal por tentativa de golpe.
Também na semana passada, o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior confirmou a primeira versão do general. Afirmou que Freire Gomes comunicou a Bolsonaro, sim, em uma reunião, que precisaria prendê-lo se ele avançasse com os planos golpistas.
Outra aparente contradição está no papel do ex-comandante da Marinha Almir Garnier na trama. Freire Gomes disse que, quando Bolsonaro apresentou suas ideias em reuniões com os chefes das Forças Armadas, ele e Baptista Junior foram contrários a qualquer medida.
Ainda segundo o ex-comandante do Exército, Garnier teria dito que estava com o presidente, mas o general fez a ressalva no sentido que não poderia interpretar o que isso significava. À PF, Freire Gomes havia dito que Garnier se colocou à disposição de Bolsonaro.
Já Baptista Junior foi enfático: Garnier teria dito a Bolsonaro que suas tropas estavam à disposição, com 14 mil fuzileiros. Deu declaração no mesmo sentido à PF no ano passado.
Garnier ainda não prestou depoimento ao STF porque é investigado. Por ora, o tribunal interrogou apenas testemunhas de acusação e de defesa. Não há previsão de quando os réus darão suas versões. A depender do rumo das investigações, se ficar comprovado que Freire Gomes mentiu ao Supremo, o general poderá responder por crime de falso testemunho.
Tanto Freire Gomes como Baptista Junior deram elementos suficientes para reforçar a tese de que Bolsonaro atuou pessoalmente no planejamento de um golpe de Estado. Nesse ponto, ambos concordaram.
Uma outra contradição surgida nos depoimentos da semana passada pode movimentar as investigações. O general Júlio César de Arruda, também ex-comandante do Exército, negou ter impedido a Polícia Militar de cumprir a ordem do STF de prender os golpistas acampados em frente ao quartel-general de Brasília em 8 de janeiro. Ele disse que cumpriu ordens de integrantes do governo Lula no sentido de fazer isso de forma organizada no dia seguinte.
Para refutar o general, o ministro Alexandre de Moraes citou o depoimento de Fábio Augusto Vieira, então comandante da Polícia Militar do Distrito Federal. Segundo Vieira, ele teria chegado ao local para cumprir a ordem e foi proibido por Arruda. A ordem judicial só foi cumprida na manhã seguinte.
O general respondeu que agiu para acalmar a situação, e que essa medida tinha sido discutida com ministros de Lula – entre eles, Flávio Dino, que comandava a Justiça. Para completar o mistério sobres as diferentes versões, Dino não se manifestou sobre episódio. Relatos de interlocutores presentes à reunião do dia 8 de janeiro, no entanto, apontam para a insistência de Dino para que os acampados fossem presos.
Diante de contradições, a Justiça pode determinar uma acareação entre as testemunhas – ou seja, colocá-las frente a frente para tentar extrair a verdade sobre os fatos. Essa possibilidade ainda não foi aventada por Moraes.