Prestes a completar 60 anos, a bailarina Eliana Favarelli não descansou durante o pico da pandemia de covid-19. Em um dos projetos mais recentes, gravou vídeos de exercícios corporais e de respiração para profissionais da saúde que estão na linha de frente. Ela também preparou exercícios em vídeo para trabalhadores em home office e para pessoas que, sem poder sair de casa, caíram em depressão nos últimos meses. “Sou pilhada pelo trabalho. Busco servir de exemplo para mostrar que tudo é possível”, diz.

Pudera: ela ainda não tinha 13 anos – o que diz ser tarde para o balé quando foi procurar uma professora em Americana, cidade onde vivia, no interior de São Paulo. “Quando cheguei na professora, disse que gostava da dança, mas não conhecia nada.”

A trajetória da bailarina Eliana Favarelli é a prova de que sim, tudo é possível. Nascida em Americana, no interior de São Paulo, procurou uma das poucas professoras de dança que existiam na região para realizar um sonho. “Eu já tinha 13 para 14 anos, que para o balé já pode ser considerado tarde para iniciantes. Meus pais nem sabiam o que era balé. Eu tinha vontade, mas não tinha referência. Quando cheguei na professora, disse que gostava da dança, mas não conhecia nada. Ela me aprovou e me deu um collant – dois números maiores.”

Um ano depois, Eliana perdeu a mãe, Lourdes, em decorrência de uma doença congênita no coração. Na época, Lourdes tinha acabado de dar à luz a irmã de Eliana. Ou seja, a vida virou do avesso. “Tudo ficou tumultuado. Meu pai precisou muito de mim nesse período… Até que as coisas se ajeitassem, parei com tudo”, conta.

Quando voltou ao balé, logo transformou-se em professora – principalmente para crianças. Ao mesmo tempo, dançava em grupos profissionais em Campinas, e cursava Educação Artística na faculdade. Foi quando abriu sua primeira escola de dança, em Americana. “Fui ousada, busquei parcerias, mergulhei no projeto. Acabei largando a faculdade.”

A vida parecia encaminhada. Mas aí, por volta de 1994, as turbulências econômicas do País obrigaram-na a fechar as portas. “A inflação galopante me prejudicou muito. Além disso, tive um problema de tireoide. Fechei tudo e passei um ano nos Estados Unidos”, lembra.

“Quando voltei ao Brasil, não tinha emprego. Encontrei um anúncio para professora de inglês e fui atrás”, diz. Logo, na escola em que ensinava inglês para crianças, passou a oferecer aulas de dança. No mesmo período, entrou na faculdade de Propaganda – mas trocou para Educação Física após três semestres.

Em 2000, aos 38 anos, Eliana se casou. Por um problema no útero, sofreu cinco abortos espontâneos antes de ser mãe de gêmeas, aos 41 anos. Nasceram, então, Marina e Rafaela.

Rafa nasceu com sérios problemas neurológicos e respiratórios. Os médicos acreditavam que ela teria poucos anos de vida. Graças aos esforços e ao carinho da família, a menina viveu até os 6 anos. Marina, a outra filha, segue os passos da mãe como bailarina. “Claro, parei com tudo novamente e passei a me dedicar exclusivamente às minhas filhas”, contou Eliana. Aos 47 anos, ela seria mãe mais uma vez. Leonardo tem hoje 12 anos.

RECOMEÇO. Quatro anos depois do nascimento do último filho, Eliana recomeçou, mais uma vez. Ao se deparar com os desafios de ser uma bailarina aos 50 anos, decidiu montar um grupo de dança com mulheres acima dos 30 anos. “Liguei para 16 bailarinas experientes, que já não tinham muitas oportunidades, e 12 delas toparam.”

Eliana alugou uma sala em Americana. Nela, o grupo de bailarinas começou a fazer aulas, workshops e espetáculos, que já tiveram como convidados nomes como Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus. Depois, vieram os convites para apresentações em outras cidades do País. O sucesso da empreitada animou Eliana a abrir mais uma vez sua própria escola de dança. Em 2011, também iniciou um projeto de apresentações internacionais em parceria com o bailarino Reginaldo Sama.

Até que em março de 2020, mais especificamente no dia 14, aconteceu aquilo que muitos ainda devem se lembrar: a pandemia da covid-19 obrigou Eliana a fechar sua escola de dança e interromper os projetos.

“No começo, achei que seria rápido. Mas logo percebemos que a situação seria mais complicada. Passei para as aulas online, mas apenas 20% dos alunos se mantiveram pagando mensalidades”, disse. “Continuei a trabalhar, fiz vídeos de aulas de dança graças ao incentivo da Lei Aldir Blanc”, completa.

Em meados de 2021, criou o projeto Mais Arte, Mais Saúde – em que dedicava videoaulas para profissionais da área de saúde que estavam atuando na linha de frente. “Nos vídeos, ensino exercícios simples de alongamento e respiração que podem ser feitos no próprio hospital ou quando o profissional chega em casa e precisa descansar”, explica. O sucesso da proposta fez com que ela gravasse aulas para pessoas em home office e outras para pessoas com comorbidade ou passando por depressão. “Foi o jeito que encontrei de dar minha colaboração para a saúde de quem está vivendo intensamente essa pandemia”, completou.

Agora, Eliana está aprendendo a editar vídeos para agilizar sua nova produção de aulas. Além disso, com todos os protocolos exigidos, as aulas presenciais começam, aos poucos, a retomar o ritmo de antes da pandemia. Ao recomeçar – mais uma vez -, a bailarina afirma que “está pronta para novos desafios”.