Depois das eleições, a chanceler Angela Merkel negocia com outros três partidos para formar coalizão de governo na Alemanha (Crédito:REUTERS/Christian Mang)

Bastaram algumas horas de negociação para que a chanceler alemã, Angela Merkel, se curvasse aos apelos anti-imigração. Na semana passada, Merkel aceitou limitar o número de refugiados recebidos por ano pela Alemanha para 200 mil – antes não havia barreiras. A exigência foi da União Democrata Cristã da Baviera (CSU), tradicional parceira de seu partido, e da União Democrata Cristã (CDU), que clamaram pelas novas regras para continuar no governo. Os dois partidos formam um bloco parlamentar há décadas, mas vem se afastando desde que Merkel adotou a política de portas abertas diante da grande onda de refugiados em 2015 – a maior parte deles entrou na Alemanha pelo Estado da Baviera. Agora, a chanceler reeleita em 24 de setembro para seu quarto mandato precisa formar uma coalizão entre o bloco conservador, o partido liberal FDP e os Verdes. As negociações apenas começaram. Resta saber o quanto Merkel está disposta a ceder.

O avanço da direita

Superar a distância entre os partidos não será fácil para a chanceler. “A distância entre os CDU e CSU nunca foi tão grande como hoje em dia, e o ponto mais contencioso é justamente a política de refugiados”, afirma o professor de Relações Internacionais e pesquisador do Instituto Alemão de Estudos Globais, Kai Michael Kenkel. A CSU já vinha exigindo um limite, mas Merkel alegava que a medida iria contra a lei fundamental do país que garante o direito de asilo a qualquer pessoa que enfrente perseguição. O acordo, no entanto, é apenas uma condição prévia para as negociações com os Verdes e os liberais, que começará na próxima semana. ”A CDU será puxada em direções muito diferentes pela CSU e pelos Verdes, para fazer funcionar a colaboração. Os Verdes já falaram que adotarão uma política totalmente diferente, então serão negociações difíceis, e nada ainda está escrito na pedra.”

Para agradar partidos de direita, Merkel começa a ceder em aspectos delicados, como a política de imigração (Crédito:Tobias Schwarz/AFP )

A Alemanha é o país que mais recebe solicitações de asilo de refugiados na Europa. Em 2016, foram registrados 722,3 mil pedidos. Em 2015, no auge da crise de refugiados, o país recebeu 1,1 milhão de solicitantes. “Ninguém pode realmente dizer se essa figura sobreviverá no próximo mês, no final das negociações entre a coalizão. Mesmo se sobreviver, as coisas não mudariam muito”, diz Gero Neugebauer, cientista político da Universidade Livre de Berlim. “Os números de 2017 mostram que a Alemanha nem chega perto de 200 mil refugiados humanitários por ano, então este é um número que nem entra em debate com os números atuais”, concorda Kenkel. Segundo o professor, o que pode causar problemas futuros são os outros pontos do acordo: a indicação de Tunisia, Marrocos e Argélia como países seguros (refugiados oriundos desses países não teriam o direito ao asilo político por não estarem, supostamente, em risco) e a limitação da entrada das famílias dos refugiados já estabelecidos legalmente. “Isso é uma pergunta que divide fortemente os potenciais parceiros de coalizão, com os Verdes de novo advogando tradicionalmente por uma posição bem mais aberta”.

O partido nacionalista AFD, de extrema direita,
obteve 12,9% dos votos e tem agora agora quase
90 representantes no parlamento alemão

A pressão da CSU sobre os ombros de Merkel para que a coalizão recuperasse uma agenda mais conservadora não é à toa. Tradicional partido conservador na Alemanha, a CSU busca restabelecer-se como legítima direita depois de ter pedido numeroso votos para o partido nacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD). O partido criado contra o euro em 2013 obteve 12,9% dos votos com um discurso islamofóbico e anti-imigração e tem agora agora quase 90 representantes entre os 631 parlamentares do Bundestag. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, nenhum partido de extrema direita havia participado da vida parlamentar da Alemanha. “A AfD não receberá a mínima legitimidade dos colegas no parlamento alemão”, diz Kenkel. “É vergonhoso que uma parcela tão grande da população queira fechar as portas para os refugiados, mas eu prefiro que essa parcela seja incorporada nos partidos legítimos do que dando atenção para movimentos duvidosos como a AfD.” Os problemas de Merkel estão longe de terminar. Resta à chanceler encontrar uma maneira de minimizar os danos da tempestade em seu governo e em toda a Alemanha.