O mercado de crédito privado terá de ver um pouco mais do que a aprovação da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados para ganhar tração e ver aumentar os volumes de emissões de debêntures, tradicionalmente os papéis mais utilizados para funding local pelas empresas. Profissionais dizem que as sinalizações de mudanças estruturais, com potencial de promover o crescimento econômico são, na verdade, o que se aguarda para uma retomada.

“Nossas dificuldades são estruturais e não será apenas uma mudança de humor que vai resolver”, disse o executivo de alto escalão de banco estrangeiro que preferiu não se identificar. “Mercado de capitais está parado, custo de crédito alto, assim como o risco de inadimplência, portanto, há muito o que reverter em tão pouco tempo”, acrescentou.

Por enquanto, o mercado de crédito privado está concentrado em operações de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA), em algumas debêntures emitidas para bancos para reestruturação de dívidas, fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) e certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) customizados para desafogar o caixa das empresas.

“O investidor de crédito privado continuará procurando por operações de emissores de primeira linha e estruturas com seguro”, comentou Felipe Ribeiro, coordenador de relações com investidores da Gaia Securitizora. Segundo ele, alguns investidores mais sofisticados têm, por exemplo, comprado certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) estruturados para eles, especificamente. Essas estruturas carregam, normalmente, fortes garantias, como ativos reais e aval dos cedentes dos recebíveis. Ele nota que o investidor está privilegiando mais a segurança do que o prêmio. “O investidor não está disposto a correr risco para ter retorno alto, está optando por uma estrutura forte”, observou.

O chefe de mercado de capitais da XP Investimentos, Tomaz Gouvêa, observou em seminário realizado na semana passada sobre debêntures, haver poucos investidores olhando para o crédito corporativo e que o impeachment já está precificado nos papéis de dívida das empresas. Para Gouvêa as rolagens de dívida das empresas, o que tem envolvido renegociações de covenants, tem deixado o cenário bastante desafiador e levado muitas assets a comprometer boa parte de seu tempo em assembleias de renegociação.

A restrição de crédito também tem atraído emissores para os FIDCs, de acordo com Alexandre Costa Rangel, sócio da Costa Rangel Advogados. “É curioso que um canal complexo como esse tenha sido escolhido como interessante diante das necessidades de financiamento das companhias”, afirmou durante o mesmo seminário sobre debêntures.

De janeiro a março deste ano, foram emitidas R$ 5,2 bilhões em operações, menos do que a metade do mesmo período do ano passado, quando foram emitidos R$ 11,08 bilhões, de acordo com o boletim de abril da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). As emissões de FIDCs somaram R$ 1 bilhão no mesmo período, de R$ 932 milhões entre janeiro e março de 2014.

CRA

Na contramão, o forte interesse de investidores e originadores nos CRAs tem atraído até empresas não diretamente ligadas ao agronegócio. “Emissões de CRA tomaram característica de debênture, mas são operações corporativas no fim do dia”, observou Gouvêa da XP, lembrando que o risco de muitas estruturas é corporativo. Até agora, o total de emissões anunciadas já supera R$ 4 bilhões, contra R$ 6,3 bilhões emitidos em 2015. Entre as empresas utilizando o instrumento estão a de logística JSL, de restaurantes Burger King, de alimentos BRF, de energia Raízen e as de papel e celulose Suzano e Fibria.