Em tempos de fake news, qualquer eleitor consciente sabe que deve tomar muito cuidado com as informações que recebe. Num mundo ideal, fake news não existiriam. Num mundo quase ideal, as fake news seriam espalhadas apenas por gente leviana, que abusaria da tecnologia para forjar opiniões, como mostra o documentário “Privacidade Hackeada”, na Netflix.

O filme mostra Brittany Kaiser, uma simpática mocinha — que se você encontrasse na rua poderia confundir com uma singela dona de confeitaria — que trabalhava na Cambridge Analytica, onde era capaz de, num belo dia, acordar e decidir derrubar ou eleger os governos que bem entendesse. Por meio de mentiras, fake news, big data e redes sociais bem direcionadas sob sua batuta na Cambridge Analytica, Kaiser (sugestivo nome) talvez tenha sido, por alguns meses, o ser humano mais poderoso que já existiu. Assim como o império que ela comandava ruiu, é inevitável pensar que nesse exato momento outras empresas estão concebendo artimanhas que vamos desmascarar (ou não) muito depois de termos sido ludibriados. Até lá, deep fakes vão enganar nossos olhos, softwares vão imitar vozes e confundir nossos ouvidos, inteligência artificial vai escrever exatamente os textos que desejamos ler.

Nós, pobres eleitores, fomos pegos nesse tiroteio sem nenhuma ferramenta para nos proteger. Afinal, ninguém precisa ter o porte de um WhatsApp para sair disparando inverdades. E políticos não precisam sequer de toda essa sofisticação tecnológica. Espalham suas mentiras para denegrir outros políticos ou para exagerar seus próprios feitos de um jeito quase artesanal. Mentem sem nenhum cuidado especial, como se vivessem num planeta onde os dados não podem ser checados ou confirmados.

Quando o presidente Bolsonaro assumiu, considerando sua habilidade no uso do Twitter, confesso que imaginei, esperançoso, que seríamos bombardeados por mentiras diariamente. Nada como surfar na onda de modernidade de políticos mentirosos. Não estou acusando nosso presidente, especificamente. Me refiro ao fato de que todos os políticos que aderiram à essa nova ordem que utiliza as redes sociais como porta-voz têm uma tendência ao improviso.

Coisa de quem falava em palanques para grupos pequenos e que, para impressionar, dizia qualquer coisa, já que ninguém checaria. Mudou a audiência, mas não mudou o discurso. No palanque do Twitter, milhões escutam, mas o que se fala continua sendo o repente. E como é improviso, sempre terão o álibi de afirmar que a informação não foi mesmo checada, que apenas divulgou aquilo que recebeu, que foi o que o ministro tal que lhe disse isso ou aquilo. E toca mais mentira no ar.
Então, eu estava feliz. Finalmente competiríamos de igual para igual como outros países.

Mas o presidente decepcionou. Bolsonaro contou apenas duas medíocres mentiras por mês desde que foi eleito, de acordo com um levantamento do HuffPost. Para se ter uma base, nos primeiros meses de governo, Trump proferiu dez inverdades por mês, de acordo com o New York Times.

Putin chegou a mentir mais de 35 vezes por mês. Até o britânico Boris Johnson, em matéria recente do Independent, vem se mostrando um mentiroso mais hábil. Claro que Trump ainda é o real mito dessa nova ética. O Washington Post divulgou, em agosto, que o presidente americano superou a marca de doze mil mentiras em 928 dias de governo. São treze mentiras por dia, marca que deve encher de orgulho o eleitor americano. E o nosso Bolsonaro? Com essa performance pífia de duas mentirinhas por mês, coitado. Ora, por favor. Como é que podemos ter esperança de um dia estar lado a lado com as grandes potências? Vamos lá, presidente! Chame os filhos e os ministros para ajudar. Se funciona nos EUA, há de funcionar aqui.

Com a ascensão da ética da fake news, esperava mais do Brasil. Infelizmente, nosso presidente precisa caprichar mais. Ainda estamos distantes de Vladimir Putin, de Boris Johnson e, claro, de Donald Trump, o verdadeiro mito