Estrela em ascensão na Câmara dos Deputados, voz potente em favor da Educação, a deputada federal paulistana Tabata Amaral (PSB) costuma esbanjar bom humor nas entrevistas. Mas tem orgulho em falar grosso de vez em quando. “O Marcio França, do meu partido, gosta de dizer que minha aparência engana: a cara de menina, a estatura baixa e a voz mansa não revelam a pancada que costuma vir depois.” Aos 30 anos, parlamentar em segundo mandato, formada em Ciências Políticas pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (estudou com bolsa), ela refuta o rótulo de terceira via. Em tempos de polarização, prega um debate político sem populismo e mentiras. “Prometer tarifa zero no transporte público em São Paulo, por exemplo, é mentira porque é inviável”, opina, em referência a promessas de concorrentes. Entre suas promessas estão a reocupação da área central de São Paulo e uma abordagem “multissetorial” do problema da Cracolândia.

Porque terceira via chega em terceiro lugar, é basicamente isso (risos). Estou há alguns meses, mais de um ano, construindo o projeto da candidatura. Acredito que pode ser uma alternativa às opções existentes, uma ponte entre centro e periferia à polarização que vem desde as últimas eleições. Estaremos no segundo turno, acredito. Somos uma alternativa. Tenho muitas diferenças em relação aos outros pré-candidatos e meu programa de campanha e de governo deixa isso claro. Precisamos eleger um projeto de administração e acabar com esse negócio de votar contra isso ou contra alguém, mesmo que não seja do nosso agrado.

“Mentiras e soluções fáceis ficarão fora da minha campanha”, diz candidata Tabata Amaral à prefeitura de São Paulo
“Boulos (foto) e Nunes falam em tarifa zero de transporte. É falácia, mentira. São Paulo tem R$ 13 bilhões para investimentos. Ela consumiria R$ 10 bilhões. E o resto?” (Crédito:Tripe)

Mas é possível fugir dos rótulos na política?
Se as pessoas acham que querer que São Paulo tenha a melhor escola pública do Brasil, enfrentar as desigualdades e tratar a questão ambiental climática como prioridade são tudo coisas “de esquerda”, não me importo. Se acham que olhar para a questão da insegurança e querer um estado eficiente são coisas apenas da “direita”, o que fazer? É preciso debater propostas sem que predominem as torcidas ideológicas. O voto por convicção tem de predominar, e o não o de exclusão. Quero que votem em nosso projeto porque vamos trabalhar para que o filho do rico e o filho do pobre tenham as mesmas oportunidades. E para que São Paulo volte a ser a terra de oportunidades.

A senhora mesmo é filha de nordestinos.
Sim. Sou filha muito orgulhosa de dois nordestinos, de uma baiana e um paraibano, que vieram para São Paulo trabalhar, estudar e sonhar, como milhares de pessoas. Só que hoje os filhos da atual geração não têm mais oportunidades do que a de meus pais e a minha tiveram. São duas cidades completamente diferentes: a do show caro, das universidades, dos melhores empregos, e a de gente morando em cima do esgoto a céu aberto, sofrendo com enchente, morador de rua, de quem passa fome, não consegue emprego porque fica quatro horas no transporte público. Combater tudo isso é muito mais vital e importante do que ficar preso a uma polarização ultrapassada.

É possível criar novos núcleos econômicos para gerar empregos em outras regiões da cidade?
São Paulo não consegue fazer o que foi feito no Canadá, nos Estados Unidos ou em Recife, com o Porto Digital, que é juntar vocações econômicas com inovação e tecnologia de forma regionalizada e territorializada. É preciso unir o saber acadêmico ao privado. Precisamos de iniciativas semelhantes. Levar adiante os parques tecnológicos, que não saíram do papel. São Paulo está perdendo oportunidades, inclusive de agregar conceitos da economia de verdade. Precisamos aproveitar o potencial do parque industrial que existe, por exemplo, nas divisas com as cidades do ABC. E também debater como o Brasil vai liderar a transição energética. Isso tem tudo a ver com a criação de um futuro diferente para nossa cidade. E passa, também, por fortalecer as áreas economicamente fortes, como os parques tecnológicos ligados às universidades, polos de inovação e tecnologia, de vestuário, saúde, como é o caso do entorno do hospital universitário da USP.

Como conciliar esse desenvolvimento com a defasagem histórica em Educação e Inovação?
Não temos outra opção, ou o Brasil jamais será justo. Nunca vai ser desenvolvido enquanto a gente achar normal ter tanta gente analfabeta e uma educação básica de tão baixa qualidade. O destino da maioria dos alunos hoje, se não terminar o ensino médio na idade certa, será o desemprego ou subemprego. Temos a cidade mais rica da América do Sul, mas que não consegue alfabetizar todas as crianças. O desempenho da rede municipal é pior do que a da estadual. É uma das poucas capitais do país em que isso acontece. A gente tem 61% das crianças saindo do segundo ano fundamental sem saber ler e escrever. É preciso um compromisso com cem por cento de alfabetização para todas as crianças. São Paulo oferece milhares de vagas na área de tecnologia que não são preenchidas porque faltam jovens formados. A experiência de Recife com o Porto Digital, na questão de tecnologia, é um exemplo. Tudo isso tem consequência social, especialmente na segurança pública. Pressupõe um programa robusto de articulação, gestão e compartilhamento de inteligência.

E o meio ambiente?
Será necessário cuidar do ambiente, da iluminação pública, da coleta de lixo, mas temos de criar alternativa para essa juventude e oferecer cidadania. As escolas deverão ser abertas no final de semana. É preciso levar cultura, esporte, ensino técnico, enfim, garantir a criação de possibilidades para essa molecada. É uma questão de inclusão. Preciso mencionar o fornecimento, pelo Estado, de absorventes para jovens estudantes carentes, que perdem aula por conta da falta desse produto. Consegui aprovar um projeto nesse sentido no Congresso.

Como será possível enfrentar o problema da Cracolândia e revitalizar a região central de São Paulo?
A questão da Cracolândia é emergencial. Precisaremos ter humildade e honestidade nesse debate. Converso com muitos especialistas de várias áreas e sei que se tentou fazer muita coisa para enfrentar a questão. Todas as administrações fizeram. É um problema multissetorial, de segurança pública e saúde pública. Além do tratamento aos doentes, é preciso inteligência na área de segurança para mapear a ação dos traficantes e entender como funciona essa economia da droga. Como ela chega até lá.

O problema é grave.
Exato. É um problema grave e difícil de resolver, que não acaba com uma bala de prata. É todo um conjunto de ações de cidadania, que vão oferecer tratamento, segurança, educação e possibilidade de arrumar emprego. Faz parte de um quadro maior, que é o de recuperar a vida no centro da cidade. É preciso ocupar o centro de manhã, de tarde, à noite e, se possível, na madrugada. A ação do município tem de ser coordenada com as dos governos federal e municipal. O anúncio da transferência da sede do governo estadual e de secretarias para a área de Campos Elíseos que pode ter impacto bastante positivo.

O transporte municipal tem dois grandes problemas: os crescentes subsídios da Prefeitura para manter a tarifa nos níveis atuais e a infiltração do crime organizado nas empresas de ônibus. Como combatê-los?
Precisamos ter seriedade nesse debate. Há pré-candidatos falando em tarifa zero. Isso é uma falácia, uma mentira, inviável e insustentável. Hoje a cidade tem R$ 13 bilhões para investimentos. A tarifa zero consumiria R$ 10 bilhões por ano. E o resto da cidade? A discussão passa também pela análise dos subsídios à tarifa e de como mantê-los.

“Mentiras e soluções fáceis ficarão fora da minha campanha”, diz candidata Tabata Amaral à prefeitura de São Paulo
“Não existe dilema sobre Geraldo Alckmin. O PSB faz parte da base aliada do governo, mas é também independente. Alckmin é o maior apoiador que tenho hoje” (Crédito:Divulgação )

E a ação do crime organizado?
Há denúncias de corrupção e infiltração do crime, que lava dinheiro na administração das empresas. O sistema é falho, tem graves problemas de gestão. A administração atual mostra fragilidade e incompetência na questão, principalmente desde que o prefeito Ricardo Nunes assumiu. Os casos de corrupção cresceram. A limpeza passa por processos de licitação e contratação de serviços transparentes, com maior rigor na fiscalização. Também é preciso o compromisso de que o transporte público será melhor e mais rápido, para que ninguém fique três, quatro horas por dia dentro de um ônibus.

Como a senhora lida com o dilema do PSB pelo fato de o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, fazer parte do governo federal e, ao mesmo tempo, ser adversário da pré-candidatura apoiada pelo presidente Lula e o PT na cidade de São Paulo?
Não existe dilema. O PSB apoia o governo do presidente Lula. É um partido importante da base aliada nacional. Mas é também um partido independente. Em vários momentos, diverge do PT. A participação de Alckmin na campanha é certa. Ele está incluído na construção desse projeto e é, com certeza, o maior apoiador que tenho hoje. Uma coisa é a política nacional, outra coisa é a local. O PSB tem o melhor projeto para a cidade.

Como a senhora e o PSB enxergam a fala do presidente Lula no 1º de Maio, pedindo voto para o candidato Guilherme Boulos (PSOL) quando há o entendimento de que isso não deveria ter acontecido, pois configuraria antecipação de campanha?
O MDB da cidade entrou com um pedido de investigação no TRE por abuso de poder econômico… É natural que lideranças políticas façam campanha para certos candidatos, mas há regras. A Justiça, no caso o TRE, é a melhor instância para decidir e regular a pré-campanha. vai dizer se houve irregularidade. O pré-candidato Boulos publicou pesquisas sem a menção do meu nome. Fomos ao TRE e denunciamos a irregularidade, o que foi acatado. A pesquisa foi retirada do ar. Onde não existe regra não há também democracia.

O prefeito Ricardo Nunes está em busca do apoio de setores mais conservadores. Ainda que com certa relutância, se aproxima do bolsonarismo. Como a senhora enxerga esse movimento?
Parece que a situação é ainda nebulosa, mas o prefeito, uma hora, vai ter de dizer se o ex-presidente Jair Bolsonaro o apóia. As pessoas falam disso e muitas cobram uma posição. Uma hora ele dá a entender que quer o apoio, mas sobe no caminhão de som dele e fica escondido. Em outros momentos, Nunes desconversa. Existe uma confusão que, na verdade, não é confusão, mas oportunismo eleitoral. Ele quer ficar próximo do Bolsonaro quando convém. Parece falta de projeto político e administrativo. Aliás, a gestão é ruim. Há várias denúncias de corrupção e de obras superfaturadas. De cada cem reais que ele tem para usar, só consegue aplicar R$ 48. Desde os anos 2000 São Paulo não tinha uma gestão tão incompetente como essa.