Hilma af Klint: Mundos Possíveis/ Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP/ até 16/7

O mundo não estava preparado para Hilma af Klint. Durante todo o século 20, a crítica, o mercado e a história da arte não estiveram capacitados para a leitura e a absorção de uma obra de complexidade semiótica como a criada pela artista sueca, nascida em 1862. Quando, aos 80 anos, determinou que sua obra permanecesse guardada pelas próximas duas décadas, não imaginava que a civilização moderna precisasse ainda de meio século para ganhar a maturidade necessária para um primeiro contato. “A arte de Hilma af Klint aborda a incapacidade dos meios existentes para descrever o sistema do qual fazemos parte”, afirma Jochen Volz, diretor geral da Pinacoteca e curador de “Hilma af Klint: Mundos Possíveis”, ao lado de Daniel Birnbaum, diretor do Moderna Museet, de Estocolmo. “Suas obras nos oferecem várias e poderosas visualizações do que poderia ser uma noção holística do mundo.”

Para “aprender a ler” as mensagens que Hilma af Klint escreveu ao futuro, é preciso despir-se de (quase) tudo o que o século 20 ensinou sobre prática e teoria da arte. Não servem leituras formalistas nem conceitualistas. Entram no jogo questões filosóficas, espirituais e botânicas, bases que ela deixou anotadas em cerca 26 mil páginas de cadernos manuscritos. Embora esses guias não sejam de fácil acesso aos públicos das exposições que nos últimos cinco anos rodaram Alemanha, Espanha, Dinamarca, Noruega, Estônia e Estados Unidos, sua pintura hoje tem, por si só, o poder da comunicação.

ESPIRITUAL Hilma af Klint promovia reuniões com meditação e espiritismo

A série “As Dez Maiores” (1907) tem uma qualidade quase didática de introdução aos conceitos gestados em toda uma vida dedicada a estudos espirituais e às filosofias místicas, como a Ordem Rosa-Cruz, a Teosofia e a Antroposofia, do contemporâneo Rudolf Steiner, que por muitos anos foi único espectador de sua obra.

A divisão do conjunto em infância, juventude, idade adulta e maturidade (velhice) aponta para a importância que os processos evolutivos e os ciclos temporais tiveram no discurso da artista.

A totalidade da série, exposta nas duas primeiras salas da exposição na Pinacoteca, sugere as fases de crescimento do corpo humano. Mas esse corpo pode ser interpretado como a própria totalidade da obra de Hilma af Klint. “As dez maiores” são um espelho de seu pensamento.

ESTUDOS DA VIDA ASTRAL Esferas dominam o repertório iconográfico da artista

Desnecessário ler o glossário de símbolos para compreender, por exemplo, as referências à fertilidade e aos processos de crescimento (físico, mental e espiritual) implícitos nessas grandes telas. Da ilegibilidade das caligrafias das telas do nascimento — que indicariam a linguagem em fase embrionária —, até a progressiva geometrização das formas na idade adulta e na velhice,
af Klint revela seus processos de organização e síntese.

É na série de desenhos automáticos produzidos no grupo As Cinco, nesta exposição exibida na íntegra pela primeira vez, que a simbologia da semente e do embrião, como núcleos formadores de toda sua poética, ganha clareza. Nesses desenhos, realizados quando a artista passava por anos de treinamento espiritual na companhia de quatro amigas, evidenciam-se como seus trabalhos são nutridos pelas formas esféricas, orgânicas e espirais. Formas que, segundo a curadoria, fecundariam outros “mundos possíveis”, em resposta às demandas de um tempo que não era o seu.

Mas por que só hoje, em um tempo de incertezas, de mudanças climáticas, de esgotamento de ideologias e da governança política tradicional, é que damos atenção ao trabalho de Hilma af Klint?

“O mais provável é que af Klint tenha conseguido, através de sua obra, imaginar e descrever visualmente um mundo que corresponde à nossa busca contemporânea por sentidos novos e alternativos”, diz Jochen Volz.

Entre as mensagens cifradas que a artista encapsulou de maneira pioneira em sua obra, antes de todas as pesquisas de interatividade com o espectador, vem a revelação de que a relação com a arte não é meramente contemplativa, mas fundamentalmente física, astral ou etérea.

Roteiros
O que é sólido continua a se dissolver

Coleções no MUBE: Esculturas para Ouvir/ Museu Brasileiro da Escultura, SP/ até 15/4

Uma das lições que artistas como Hilma af Klint concedem à arte contemporânea é colocar em dúvida aquilo que é considerado da ordem da arte. Esse é um exercício que vem sendo realizado também pela curadoria do MuBE, ao investigar na escultura aquilo que é imaterial.

Em continuidade à pesquisa do curador Cauê Alves sobre obras sonoras, a mostra “Esculturas para Ouvir” reúne objetos de artistas de diferentes gerações, de León Ferrari e Amélia Toledo a Chelpa Ferro e Paulo Nenflídio (foto à esq.). Segundo o curador, as obras com varetas verticais de aço de León Ferrari estão entre os mais importantes objetos sonoros feitos no Brasil.
A exposição amplia a discussão sobre o tema, propondo uma reflexão sobre porque obras de escultura sonora teriam tardado tanto a ser assimiladas pelo mercado e coleções de arte — tendo sido até os anos 1970 relegadas à condição de instrumentos musicais experimentais. PA