Na carta de despedida ao Santos, o técnico Jorge Sampaoli afirmou que os meninos que assistiam aos treinos em uma árvore perto do CT Rei Pelé foram seus “amigos mais legais”. Ao longo do ano, Sampaoli desenvolveu uma relação de amizade com o grupo, que tinha acesso até a casa do treinador. Os torcedores Matheus, Juan, Kauan, Albert, Vitor, Vinicius, Gustavo e Guilherme, todos entre 8 e 14 anos, esperam que o próximo seja amigo como foi o argentino.

“Acho que nenhum torcedor viveu o que eles viveram até hoje”, diz Roberto Ramos dos Santos, o Beto Bandeiras, pai do Juan e Kauan e tio de Matheus, três integrantes do grupo. “Técnico de nenhum clube esteve tão perto do torcedor como ele”, acrescentou Beto, que confecciona bandeiras há 20 anos.

Depois que foram chamados para entrar no CT, eles ganharam uniformes e bolas. Podiam comer lanches no refeitório do clube e até passeavam com os jogadores, como Derlis Gonzáles e Soteldo. Foram acolhidos pelo técnico e pelos jogadores. Aos poucos, eles começaram a retribuir com bandeiras com o rosto do argentino e faixas de agradecimento. “A gente até aprendeu algumas palavras espanhol. Eu sei o que é hermano”, diz Kauan Robusti dos Santos, um dos meninos do grupo.

A relação se tornou tão próxima que o argentino, normalmente avesso à exposição de sua família, convidou os garotos para conhecerem León, seu terceiro filho, que nasceu em setembro. Os outros dois filhos são Alejandro e Sabrina, que trabalham num complexo esportivo criado pelo técnico em Casilda, na Argentina. Está tudo registrado em fotos nas redes sociais.

Os “Meninos da Árvore” são moradores do bairro Jabaquara, onde se localiza o Centro de Treinamentos do Santos. Todos estudam em escolas públicas, como Primo Ferreira, Azevedo Junior e Pequeno Príncipe. Assistir aos treinos e esperar a saída dos jogadores na saída do CT, para pedir uniformes, bolas e autógrafos, eram algumas das principais atividades de lazer. Além, claro, das peladas.

PASSADO – Quando o argentino chamou um grupo de cinco meninos para assistir ao treino dentro do CT, em abril, ele estava revivendo seu próprio passado. O salto na carreira do treinador começou quando ele subiu em uma árvore em 1995. Ele tinha certo destaque na Liga Casildense, um pequeno torneio regional em Santa Fe, Argentina, como treinador do Alumni de Casilda. Depois de ter sido expulso em uma partida, ele colocou óculos escuros para disfarçar, subiu em uma árvore que ficava próxima ao gramado e começou a dar instruções. Antes que o árbitro percebesse a manobra, o fotógrafo Sergio Toriggino, do jornal La Capital, de Rosario, eternizou o momento.

A imagem chegou ao escritório presidencial do Newell’s Old Boys. Ali Eduardo López se apaixonou pelo homem que subiu na árvore para orientar o time. Decidiu contratá-lo. “Sim, tudo começou com esta foto”, reconheceu Sampaoli em entrevista ao mesmo La Capital anos depois. “Eles me chamaram para dirigir o Argentino (de Rosario, clube gerenciado pelo Newell’s) em 1996. Saí tempos depois, mas voltei em 2001 para ajudar em um momento difícil. Depois parti ao Peru e de ali em diante não parei de trabalhar”, explicou o argentino.

De volta aos meninos. No final da temporada, quando a permanência do treinador começou a ficar por um fio, os garotos apareceram em frente ao prédio do argentino e ergueram a faixa com os dizeres “Fica, Sampaoli”. O comandante desceu do prédio, agradeceu e tirou fotos. Os inocentes apelos do grupo não foram suficientes para que o técnico permanecesse no Santos. Beto Bandeira afirma que eles não foram pegos de surpresa com a saída do treinador. O rompimento do contrato de Sampaoli está sendo decidido na Justiça, foi feita de forma conflituosa, o oposto da relação de amizade que desenvolveu com os meninos da árvore.