Em 1999, Marcia Herman-Giddens, professora e pesquisadora da Universidade de Duke, publicou um estudo que mudou a compreensão sobre a puberdade feminina. Ela havia notado uma redução na faixa etária em que as meninas nos EUA desenvolviam seios ou pelos pubianos, os primeiros sinais de pubescência. Ao analisar 17 mil garotas ao longo da década de 1990 constatou que a idade média passara a ser de dez anos, um ano a menos do que no registro anterior. A queda mostrou padrão constante desde o final dos anos 1960 até hoje, em três meses de decréscimo por década — chegando atualmente a quase dois anos. O ritmo não foi acompanhado pelos meninos, que mostraram diminuição quase desprezível. Até agora, a ciência não conseguiu explicar por que isso acontece.

Os efeitos, no entanto, existem e não são positivos. Há o risco de sexualização da criança e consequente tratamento social inadequado.

Estudos recentes indicam ainda que a puberdade precoce pode estar ligada a transtornos de depressão e ansiedade, além de propensão ao desenvolvimento de distúrbios alimentares.

Como as placas de crescimento se fecham no final do período pubescente, a antecipação tende a evitar que a menina atinja altura potencial máxima. Garotas que menstruam mais cedo também apresentam risco maior de desenvolver câncer de mama ou de útero quando adultas.

Uma das principais suspeitas dessa precocidade é o sobrepeso. Desde a década de 1970 a obesidade tem sido associada à menstruação prematura —em análise com 1.200 meninas, foi notado que aquelas fora da faixa de peso médio tinham chance dobrada de menstruarem antes do tempo. Mas não era possível estabelecer à adiposidade a causa principal, já que a maioria das crianças que passava pela antecipação se encontrava dentro do peso.

“A tendência é muito clara e virou problema de saúde pública.”
Soraia Casanova, ginecologista funcional e regenerativa

Histórico familiar

A médica Carla Delascio Lopes é a terceira geração de ginecologistas na família e diz que a tendência também foi notada pela mãe, Vera Lúcia. Segundo ela, a influência pode começar antes mesmo da concepção, com fatores que envolvem o estilo de vida dos pais e o aumento da idade média dos mesmos, com espermatozóides e óvulos de qualidade inferior.

“Após o nascimento, há outro cenário. São diversos fatores que podem resultar em mudança de composição corporal, que alteram metabolização estrogênica e favorecem precocidade: crianças que não foram amamentadas no peito, com introdução alimentar inadequada, mais sedentárias, até excesso no uso de telas”, diz Carla.

Outro fator de mudança geracional a que se atribui o decréscimo na idade púbere é a proliferação dos chamados xenoestrogênios. São substâncias químicas produzidas em laboratório que imitam o hormônio feminino estrogênio.

Pesquisas constataram que são potenciais alteradores das funções hormonais regulares. Estão presentes hoje em uma grande variedade de produtos, como:
• alimentos industrializados,
• protetores solares,
• pesticidas,
• inseticidas,
• plástico,
• e detergentes.

Meninas têm puberdade cada vez mais precoce; efeitos negativos acendem alerta
Carla, a mãe Vera Lúcia e o irmão Marcio Delascio Lopes: ginecologistas atestam a precocidade (Crédito:Glauco Lara)

“A presença dessas substâncias em quantidades cada vez maiores tem causado uma incidência assustadora de doenças hormônio-dependentes, como endometriose, câncer de mama e puberdade precoce”, diz a ginecologista funcional e regenerativa Soraia Casanova. “A obesidade também tem papel facilitador na conversão hormonal. E aí vira uma bola de neve, pois a conversão ocorre no tecido adiposo.”

Relatos apontam que, em meados do século 19, a idade média da primeira menstruação ocorria entre 16 e 17 anos. Ela acontece normalmente dois anos depois de aparecerem sinais de seios ou pelos pubianos. Hoje, a menarca acontece, em média, aos 12,5 anos de idade.

Até mesmo a pandemia é colocada como responsável. Estudo italiano mostrou que, em sete meses de 2020, durante o lockdown, 328 meninas foram conduzidas para clínicas monitoradas no país por manifestações prematuras, em comparação com 140 garotas durante o mesmo período no ano anterior.

Relatos semelhantes chegaram de Coréia, Turquia e Índia. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) admite incerteza sobre o tema. Em publicação sobre puberdade antecipada, a endocrinologista e pesquisadora Lizanka Marinheiro afirmou: “Em cerca de 90% dos casos, o distúrbio é considerado idiopático, ou seja, não tem causa definida”.Meninas têm puberdade cada vez mais precoce; efeitos negativos acendem alerta