10/02/2017 - 18:00
Histórias dramáticas envolvendo personagens reais estão entre os temas mais atraentes da literatura. Elas tornam possível ao autor e ao leitor encontrarem-se com sentimentos caros e comuns à humanidade, como a alegria, a dor, o medo. Quando o
enredo se passa durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o fascínio é maior. Desde a publicação dos primeiros três mil exemplares do ‘Diário de Anne Frank’, em 1947, por Otto Frank, pai de Anne – a jovem judia que morreu no campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha -, o mercado de livros contando a vida de pessoas que viveram os horrores do conflito é dos mais vigorosos. O ‘Diário’, por exemplo, está entre os maiores fenômenos literários do planeta, com 35 milhões de cópias vendidas.
O mais recente sucesso do gênero a chegar no Brasil é ‘Charlotte’, de David Foenkinos. Lançado em 2014 na França, conta a história da pintora alemã Charlotte Salomon (1917-1943). Nascida em Berlim, a artista integrava uma rica família judia marcada pela tragédia. Franziska, sua mãe, suicidou-se quando Charlotte era criança.
O pai, Albert, foi um destacado cirurgião que experimentou o declínio na carreira e a destruição da família com a ascensão nazista. Para fugir da perseguição, pai e filha exilaram-se em um vilarejo próximo de Nice, na França. Entre os anos de 1941e 1943, ela produziu 769 pinturas, autobiográficas. Em outubro de 1943, Charlotte foi morta em Auschwitz.
A pintora estava grávida.
O livro virou best-seller na França, onde vendeu 500 mil exemplares. Para recriar a trajetória da pintora alemã, Foenkinos realizou uma extensa pesquisa, visitando lugares e pessoas que podiam servir de referência. O autor é o mesmo de “A delicadeza”, romance adaptado para o cinema em 2011.
No Brasil, a escritora Maura Palumbo comemora o sucesso de ‘O perfume das tulipas’, romance ambientado na Segunda Guerra fruto de nove anos de pesquisa histórica e coleta de depoimentos. Os personagens são fictícios, mas construídos com base em fatos verídicos. Resultado de um projeto pessoal da autora, o livro foi lançado em setembro de 2016 e é vendido somente pela internet. Até agora foram comercializadas cinco mil cópias, média considerável para o mercado brasileiro. Está indo para a segunda edição.
HERÓIS COMUNS
Maura está envolvida agora com outro projeto, associado ao mesmo período. Ela irá escrever a biografia do uruguaio Francisco Balkanyi, filho de judeus húngaros. Seus pais se mudaram do Uruguai para a cidade de Cakovec, na antiga Iugoslávia (hoje Croácia), quando Francisco tinha somente um ano. Era 1929, justamente no difícil período entre os dois maiores conflitos do século 20. A Primeira Guerra havia terminado onze anos antes e os fatores que desencadeariam a segunda, dez anos depois, estavam em pleno florescimento.
Quando o conflito eclodiu, Francisco foi levado para Auschwitz junto com o pai. No braço, tem o número 186550, marcado pelos nazistas assim que chegou ao campo. Na década de 1960, já casado, ele se mudou para São Paulo, onde mora até hoje. “Quero contar tudo o que aconteceu com Francisco ao longo desses anos”, diz Maura.
“As memórias desse período precisam ser preservadas.” O livro será lançado até o final do ano. Parte da fascinação exercida pelas histórias das pessoas que viveram a guerra pode ser explicada pelo fato de que o conflito produziu realmente eventos heróicos, promovidos por pessoas comuns. E, em alguma medida, foi considerada uma guerra justa, na qual o bom e o mau estavam claramente posicionados. “Não vimos isso em nenhuma outra guerra posterior”, afirma o historiador Claudio Batalha, da Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo. Somado a isso, tem-se a profusão de imagens das batalhas
e dos horrores produzidos em um evento do tipo.
As cenas, de um impacto sem igual à época e ainda muito perturbadoras nos dias de hoje, ajudaram a revelar um contexto que, mesmo hoje, é difícil de ser completamente compreendido.
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