Quem faz musculação com frequência não precisa ter medo de recomeçar após as férias ou alguma pausa: o corpo guarda uma memória muscular por pelo menos dois meses e meio devido às mudanças induzidas pelo treino que persistem nesse período, facilitando a recuperação na retomada. Os dados são de um novo estudo finlandês publicado no The Journal of Physiology, que avaliou as proteínas dos músculos.
A memória muscular se refere à capacidade de o músculo readquirir massa e força com maior facilidade após períodos de destreinamento. Isso já era associado principalmente à preservação dos mionúcleos, estruturas das células musculares. Agora, o novo estudo demonstrou esse efeito a partir da dosagem de proteínas, avaliando as alterações após um ciclo completo de treinamento, destreinamento e re-treinamento.
Para chegar a esse resultado, pesquisadores da Universidade de Jyväskylä, na Finlândia, acompanharam um grupo de 30 voluntários saudáveis, mas que não praticavam musculação com regularidade. Desses, 17 foram submetidos a um programa dividido em três etapas de dez semanas cada: treino supervisionado duas vezes por semana, pausa e volta aos treinos. Os demais serviram como grupo controle.
Ao fim de cada etapa, os cientistas examinaram as mudanças nas proteínas a partir de uma biopsia do músculo da coxa. Assim, constataram que enquanto algumas se alteraram com o treino, mas voltaram ao estado basal após o destreino, outras permaneceram elevadas mesmo após 10 semanas de pausa.
“Isso reforça a ideia de que o músculo ‘se lembra’ de adaptações anteriores, não só ao nível celular ou epigenético [como os estímulos afetam a expressão dos genes], como já era sabido, mas agora também no nível proteômico”, explica Brendo Faria Martins, especialista em fisiologia do exercício do Espaço Einstein de Esporte e Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein.
Segundo o especialista, até então a maioria das evidências sobre memória muscular focava em aspectos como retenção de mionúcleos ou marcas epigenéticas. “Mas agora temos uma demonstração objetiva de que certas proteínas ligadas à contração muscular, citoesqueleto e sinalização de cálcio também são mantidas. Esse achado reforça a hipótese de que há uma base molecular concreta para a memória muscular, indo além das estruturas celulares.”
De modo geral, a perda de força e massa muscular pode começar a ocorrer após duas a três semanas de destreinamento, mas o novo estudo mostrou que algumas adaptações proteicas se mantêm por pelo menos dois meses e meio após uma parada nos treinos. “Ou seja, embora a função e o volume muscular diminuam relativamente rápido, algumas marcas moleculares permanecem, o que ajuda a explicar por que a recuperação é mais rápida do que o ganho inicial”, explica Martins.
As evidências científicas mostram que geralmente é possível recuperar a força muscular perdida após uma pausa em cerca de quatro a seis semanas de treinamento consistente. “Dependendo do caso, o tempo necessário é cerca da metade ou até um pouco menos do que foi necessário para conquistar os ganhos iniciais.”
No entanto, vale lembrar que há uma diferença na capacidade de memória muscular entre quem sempre se exercitou e aqueles que treinam pouco. “Quem treina regularmente tende a ter adaptações estruturais e moleculares mais robustas, como maior número de mionúcleos e epigenética favorável, que facilitam a manutenção e a retomada do desempenho. Já quem pratica pouca atividade pode até desenvolver essas adaptações, mas de forma menos eficiente e duradoura.”
Fonte: Agência Einstein