David Hemmings, o rosto só olhos, o olhar opaco, o sorriso meio infantil, é Thomas, o protagonista de Blow-Up, longa de Michelangelo Antonioni que, no Brasil, foi lançado como Depois Daquele Beijo. Só a escolha do ator já tinha caráter de manifesto. De O Grito a O Deserto Vermelho, passando pela trilogia da solidão e da incomunicabilidade – A Aventura, A Noite e O Eclipse -, Antonioni ficou famoso por escolher atores belos e viris, mas dos quais ele se aplicava em tirar a vitalidade. Steve Cochran, Gabriele Ferzetti, Marcello Mastroianni, Alain Delon, Richard Harris. Em Blow-Up, o grande autor nem teve essa dificuldade. Hemmings já introduz uma frieza, quase uma desumanidade.

Thomas é fotógrafo e vê o mundo por meio de sua câmera. Num certo sentido, é voyeur por excelência. Profissional da moda, faz um jogo de sedução com as modelos, mas elas também são andróginas, anoréxicas. É um mundo privado de carnalidade. Com a câmera, Thomas monta nas mulheres e cobra delas uma entrega que se assemelha ao orgasmo, mas é um coito, digamos, interrompido. Ele deixa a modelo no solo, exaurida. Zero prazer. Sai desse mundo de artifício para o mundo real.

Fotografa alguns sem-teto num abrigo, ou segue um casal no parque. Tira fotos da dupla, no que parece um verdadeiro jogo amoroso. No estúdio, ao ampliar as fotos, Thomas descobre o que parece ser um atirador escondido entre as folhagens. Volta ao parque, e há um cadáver. Encontra a mulher, e é Vanessa Redgrave. Fazem outro jogo, mas, na sequência, as fotos somem, o cadáver também desaparece. Sem corpo, não há crime.

Há controvérsia, se são 50 anos ou 49. Blow-Up é uma produção anglo-italiana de 1966, mas só no ano seguinte o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes. Só para lembrar, o grande prêmio do júri foi para Estranho Acidente, de Joseph Losey, e a sueca Pia Degermark foi melhor atriz por Elvira Madigan, de Bo Widerberg. Todos esses filmes fazem hoje parte do imaginário de qualquer cinéfilo. As cenas do parque já foram exaustivamente analisadas, o enigma do tênis sem bola da cena final há todo esse tempo divide os críticos, mas muitos espectadores – os mais jovens, talvez – só agora vão ver o filme na tela grande do cinema. Já o viram em outras mídias, em outras telas – TV, homevídeo. Ver ou rever Blow-Up nessas circunstâncias faz toda diferença. É um dos filmes icônicos, emblemáticos, dos anos 1960.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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