Os anos 1980 foram verdadeiramente incomuns e marcaram época no Brasil. A redemocratização dava o tom político e cultural enquanto a hiperinflação tratava de arruinar o bolso da população, em mais uma de nossas crises econômicas, fazendo a alegria – eterna e atemporal – da banca nacional e dos grandes grupos varejistas.

Na TV, vibrávamos com a liberdade que chegava a conta-gotas, e os reeditados festivais de música eram presenças constantes nas telinhas. Um deles, o Festival da Nova Música Brasileira – acho que na TV Globo – apresentou ao País uma enxurrada de novos talentos que, anos depois, se transformou em mero fio d’água, ainda que alguns tenham vingado

Dentre as celebridades instantâneas se encontrava a cantora Joyce, que despontou com a música Clareana, em homenagem às filhas: ‘Um coração. De mel de melão. De sim e de não. É feito um bichinho. No Sol de manhã. Novelo de lã. No ventre da mãe. Bate um coração. De Clara, Ana. E quem mais chegar. Água, terra, fogo e ar’.

Bom, se você está duvidando que ‘isso aí’ fez sucesso, tente ouvir funk ou sertanejo universitário, hehe. Aliás, a música acima não apenas fez sucesso como se tornou um verdadeiro ‘hit’ à época – o que chamamos hoje em dia de música-chiclete. Joyce, inclusive, atualmente com 74 anos, teve uma longa carreira a partir de então.

MORAES NO TSE

Brasília, ontem, teve seu dia de Clareana. Na cerimônia de posse do ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, agora, cumulativamente, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, um mega evento para 2 mil convidados, com comes e bebes de primeira, obviamente, direta ou indiretamente patrocinados pelos trouxas aqui, reuniu de tudo um pouco.

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Familiares, autoridades, governadores, magistrados, advogados, convivas em geral, Lula, Dilma, Sarney, Temer, Bolsonaro e… quem mais chegar! É claro que este ‘quem’ não incluiu o falastrão aqui nem muito menos vocês, leitores e leitoras, lembrados apenas na hora do voto e dos impostos. Ah, Clara e Ana também não foram chamadas , tadinhas.

O que tanta gente foi fazer em Brasília, largando seus afazeres e obrigações diárias, enfrentando viagens cansativas e chatíssimas? Ora, beber e comer é que não foi, já que fazem isso – na maioria das vezes, 0800 também – em suas cidades e estados. Foram, a bem da verdade, e já rasgando o verbo, puxar o saco do carequinha Xandão.

O beija-mão do todo-poderoso Moraes não encontrou paralelo na história do Tribunal, já que, em posses anteriores, a lista de convidados era diminuta e as cerimônias discretas. Desta feita, porém, diante dos ataques à democracia, patrocinados por Jair Bolsonaro e sua trupe golpista, imaginou-se necessária uma contundente demonstração de força política.

FAROESTE CABOCLO

Também nos anos 1980, o Brasil ganhou a banda Legião Urbana, essa sim um verdadeiro patrimônio nacional. Renato Russo, Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos e Renato Rocha (o dream team) lançaram, em 1987, Faroeste Caboclo, canção mais atual do que nunca, que termina em um duelo mortal entre João de Santo Cristo e o traficante Jeremias.

Na versão palaciana dos anos 2020, nem santos nem Cristo deram as caras em Brasília, mas traficantes (de influência) sobraram na capital federal. E o grande duelo, esperado por onze em cada dez futriqueiros de plantão – este aqui, inclusive!! -, se deu entre o meliante de São Bernardo e o verdugo do Planalto, respectivamente, Lula e Bolsonaro.

Na música, o amor a Maria Lúcia levou à morte os dois protagonistas. Na Corte, o ódio a Moraes levou dois autocratas, populistas e cínicos a se comportarem como elegantes postulantes à Presidência, tementes ao jogo eleitoral e à democracia. Imagino o que pensavam, um do outro, enquanto apertavam as mãos e sorriam como hienas.

Ao final da noite, entre mortos e feridos, com azia e má digestão, salvaram-se todos, e foram dormir, felizes para sempre, em palácios, apartamentos funcionais e hotéis 5 estrelas. Já eu, do alto da minha insignificância, tal qual candinha de beira de rio, fiquei em casa, assistindo Netflix, comendo pipoca e pensando: bem-feito, seu trouxa! Quem mandô num sê amigo duzomi?


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