O clássico de Alfred Hitchcock fez um sucesso tão grande nas telas que pouca gente lembra que Psicose é baseado em um romance de Robert Bloch. O diretor britânico ficou obcecado pelo livro e decidiu hipotecar a casa em que morava para conseguir comprar os direitos da obra, uma vez que os grandes estúdios não queriam investir no projeto. Para proteger o mistério da trama, essencial para o sucesso do seu ambicioso trabalho, Hitchcock adquiriu todos os exemplares à venda nas livrarias e protegeu o sigilo do roteiro como se fosse um segredo de guerra. Quando a produção chegou aos cinemas, ameaçou os críticos que ousavam revelar detalhes sobre o final. Apesar da magia do filme, o livro de Bloch também tem o seu próprio valor. Sua nova e luxuosa edição comprova um fato: histórias assustadoras, desde que bem contadas, têm caráter atemporal e mantêm a capacidade de conquistar leitores em qualquer época.

Outro lançamento que reforça essa tese é Tênebra – Narrativas Brasileiras de Horror (1839-1899) (Fósforo Editora), belíssimo trabalho de curadoria organizado pelos pesquisadores Júlio França e Oscar Nestarez. A coletânea formada por 27 contos escritos no século 19 revela que a nossa literatura na época não ficou restrita ao romantismo e realismo. Eram produzidas obras de vertentes mais sinistras, entre elas o gótico, o horror, o fantástico e as histórias de crime. O livro reúne textos de nomes improváveis como Machado de Assis, Olavo Bilac e Aluísio de Azevedo, autores que nunca foram associados ao gênero. Segundo os organizadores, a antologia busca desfazer um engano perpetrado há décadas: a de que a chamada “literatura de medo” nunca existiu no País. O suposto desprezo por essa escola, que no exterior sempre inspirou best-sellers e o respeito dos literatos, é explicado no prefácio: “A crítica e a historiografia literárias brasileiras sempre demonstraram preferência por obras realistas que versassem diretamente sobre as questões sociais e políticas de maior relevo, bem como por aquelas que abordassem a discussão sobre o que é o Brasil e quem somos nós, os brasileiros. Nossa literatura, desde o romantismo, passando pelo modernismo, foi encampada pelo projeto de construção da identidade nacional. Como efeito colateral, as propostas que não seguiram esse programa foram sufocadas”.

Se os leitores ficarão surpresos com o tom tenebroso dos textos pouco conhecidos de Machado (Sem Olhos) e Bilac (O Crime de Otávio), o charme da obra são as sangrentas histórias de nomes quase anônimos. O conto Missa do Galo, que abre o livro, é atribuído a Maciel da Costa, embora a ficha técnica admita que pode tratar-se do pseudônimo de Gregório de Tavares, que o teria publicado no jornal carioca Correio das Modas, em 1839. Já o mineiro Bernardo Guimarães, que colabora com Jupira, de 1872, é conhecido do grande público por outra referência, de temática bastante diferente: o romance A Escrava Isaura, adaptado para a TV em novela de sucesso, em 1976.

Não é apenas o terror com sotaque brasileiro que conta com relançamentos de peso nesse fim de ano. A renomada escritora norte-americana Shirley Jackson ganha a coletânea A Loteria e Outros Contos, com 24 textos publicados entre 1948 e 1965. Outro norte-americano, aquele que é considerado o pai da literatura moderna desse estilo, foi homenageado com uma versão de luxo da editora Darkside. Edgar Allan Poe, precursor de uma ampla gama de autores que vai de Stephen King a H.P. Lovecraft, é o primeiro volume da série Medo Clássico, que terá ainda Mary Shelley (Frankenstein) e Bram Stoker (Drácula), entre outros.

Além dos contos que o tornaram famoso, como O Gato Preto, Os Assassinatos na rua Morgue e A Queda da Casa de Usher, a bela edição contém uma apresentação do francês Charles Baudelaire, publicada originalmente em 1852. Traz também o poema épico O Corvo, de 1845, na versão original, em inglês, e nas traduções de Machado de Assis e Fernando Pessoa. Há ainda uma apresentação do autor, que explica a filosofia por trás da obra. Essa série de lançamentos lembra que, assim como o medo é um sentimento atemporal e universal, seus principais autores também o são.