“Só tenho medo de barata”. Essa é uma das confissões da ginasta Rebeca Andrade, grande destaque da campanha brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. A campeã olímpica do salto e prata no individual geral aceitou o desafio de falar sobre temas pessoais, da sua vida cotidiana, e que formam uma espécie de “lado B’ da dona das primeiras medalhas da ginástica feminina na história olímpica e porta-bandeira da delegação brasileira na cerimônia de encerramento.

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Rebeca se destaca pelas coisas que diz, de uma maneira espontânea, natural, sem respostas ensaiadas, sem fugir de perguntas delicadas, mas também pela forma como diz essas coisas. Para atender ao Estadão, ela foi para um dos banheiros do ginásio onde estava acompanhando a competição de ginástica rítmica, na semana passada, na reta final da Olimpíada. Queria ficar longe do barulho e prestar atenção nas perguntas.

Foi assim, com o celular equilibrado na pia, que ela falou sobre discriminação racial – ela não viveu, mas seus irmãos, sim -, das duas horas na frente do espelho antes de uma apresentação de ginástica e da paixão por pizza, sua comida favorita. Seja ela de qualquer sabor.

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A heroína olímpica voltou nesta quarta-feira, 11, ao Brasil. Por causa dos inúmeros compromissos, ela ainda não sabe onde vai guardar suas medalhas. Mas promete mostrar para quem quiser vê-las.

Onde você pretende guardar as medalhas de ouro e prata que ganhou na Olimpíada?

Ainda não sei. Sei que vou ter de levar as medalhas para vários lugares e mostrar para várias pessoas. Mas já sei que meus collants vão ficar num quadro na parede da minha casa. Várias fotos minhas. Eu vou cuidar muito delas. São muito especiais. Não vou deixar à mostra. Mas, quem pedir, eu vou deixar ver. É uma conquista de todo mundo. As pessoas estão amando isso.

Em várias entrevistas, você citou a importância da sua mãe na sua carreira. Faz quanto tempo que você não se encontra com ela?

Tem muito tempo. Antes de ir para Doha, eu encontrei minha mãe e minhas sobrinhas. Acho que não fico um tempo com eles desde o Natal do ano passado.

O que ela vai fazer para você quando você voltar?

Gosto quando ela faz frango, arroz e feijão. Qualquer coisa que ela faça fica boa. Tempero de mãe é especial. Acho que ela vai fazer o que eu pedir.

Qual é a comida que você mais gosta?

Gosto de pizza. Adoro. Eu posso comer tudo. O atleta pode comer tudo, mas é preciso saber comer. Durante a semana, eu busco a melhor alimentação porque é o que meu corpo precisa. Não dá para comer pizza todo dia.

A ex-ginasta Daiane dos Santos ficou emocionada com suas conquistas, pois disse que duas negras – ela e agora você – ganharam as primeiras medalhas de ouro do Brasil na ginástica. Ela no Mundial e você na Olimpíada. Você já foi discriminada por ser negra?

Na cara, olho no olho, nunca aconteceu. Mas a gente não sabe o que as pessoas falam por trás. Não tenho vivência. Mas meus irmãos já passaram por isso. Então é como se tivesse acontecido comigo. É complicado você não conseguir andar num shopping porque acham que você vai fazer alguma coisa. Ou trocarem de rua porque você está andando.


Nunca houve na ginástica?

Não. Eu saí cedo de casa. Tive uma infância boa, subindo em árvores, jogando bolinha de gude, brincava com os meninos e as meninas. Eu pude aproveitar bastante. Na ginástica, tudo sempre foi bem descontraído. Para crianças. Eu aproveitei mesmo. A adolescência foi mais centrada, mas consegui aproveitar. Sempre estive com pessoas da minha idade. Tinha troca. Agora sou uma mulher adulta, posso fazer minhas coisas, respondo pelos meus atos. Todas as fases foram bem aproveitadas. Graças a Deus, nunca vivencie, mas sei que existe.

O que aconteceu com seus irmãos? Você estava junto?

Uma vez, minha mãe estava numa pracinha com meus irmãos em Guarulhos. Meu irmão pediu para tomar um banho de Cândida (marca de água sanitária). Ele falou que queria ser igual a ela, com a pele mais clara, branca. Ela disse que a cor dele era linda e que aquilo não era um problema. Minha mãe sempre lidou bem com isso. Mas acho que já aconteceu com todos os meus irmãos. Eu fui a que menos vivenciei isso. Hoje, eu sei que eles não falavam tudo o que acontecia.

Por que?

Eles não falavam porque eu era mais nova e também porque eles achavam que ia prejudicar meu rendimento. Eles sabiam que eu ia ficar chateada. Eles sempre foram muito respeitosos e sempre entenderam a importância da ginástica para mim, Mas nunca mentiram. Nossa família é muito unida.

Você disse que já era uma adolescente focada. Você escolheu uma carreira difícil. Você sente muitas dores?

Sim. Nossa. E como sinto! Muita dor!

Seu joelho dói, aquele que sofreu as três cirurgias?

Hoje, ele não dói todos os dias. Quando o treino fica mais intenso, ele acaba doendo mais. Quando o treino não é tão puxado, dá para levar tranquilamente. O Chico me conhece, acompanhou o meu processo. Ele respeita bastante. Se é um dia em que não estou me sentindo bem, eu falo: ‘Chico, eu estou com muita dor’. Aí, a gente não faz, diminui ou muda o treinamento. Meu problema não é fazer a ginástica. Meus problemas são as dores que eu tenho, as lesões e tudo o mais. A gente consegue conciliar bem. Ele me escuta. Quando está doendo e eu preciso fazer, não tem jeito. A gente passa por cima da dor e vai.

Como suportar essa dor?

Eu tenho a cabeça forte. Eu trabalho há muito tempo com minha psicóloga e meu lado psicológico está muito bom. Quando a gente tem de diminuir, é só por dor física mesmo.


Ainda sobre seu lado emocional e psicológico: você tem medo de alguma coisa?

Só de alguém da minha família morrer.

E de coisas do cotidiano?

Qualquer pessoa que está num lugar muito alto vai ficar com medo, se olhar para baixo. Acho que eu tenho um pouquinho de medo de barata. Prefiro ver um rato a uma barata. Ela corre, entra embaixo das coisas. Você não sabe se ela vai passar em você…eca!

Você demora muito se arrumar? Você é vaidosa?

Mais ou menos. Estou na média. Gosto de estar bonita, mas sem estar exagerada.

Como é ser mais ou menos vaidosa?

A gente não precisa ficar se emperequetando todo dia para ir treinar. Não vou colocar a melhor roupa para ir ao mercado. Não vou. Quando vou fazer alguma coisa diferente, eu gosto de arrumar o cabelo, passar maquiagem, colocar um colar, uma roupa legal. Não gosto de andar esculhambada, mas não vou usar roupa de festa para fazer compras no mercado.

Você mesma se arruma antes das competições? Demora?

Sou eu mesma. Quando era criança, minha treinadora fazia meu cabelo e me maquiava, mas aprendi e faço há anos. Sou eu que faço tudo, me maquio, prendo meu cabelo. Começo duas horas antes. Nesse tempo, aproveito para escutar música, conversar com as pessoas, fazer minhas orações e meus agradecimentos. Vou curtindo o momento antes de sair.”

Você falou com a Simone Biles nos Jogos de Tóquio?

Só quando eu fui assistir ao masculino. Eu passei e dei “oi, meninas” e já fui andando. Não tive oportunidade de falar muito. Eu só falei com as meninas que estavam competindo comigo. Eu fiquei feliz com a competição dela na trave. Eu fiquei feliz por ela ter se colocado em primeiro lugar. Não podemos fazer tudo a todo custo.

Você consegue ter momentos de lazer e se desligar da ginástica?

É difícil ter hora vaga, mas não podemos viver só de ginástica. Perto de uma competição, é só ginástica. Só penso nisso. No final de semana, eu gosto de ir à praia, ver um filme, cantar, dançar. Sempre faço essas coisas. Isso é tranquilo. Durante a semana, é difícil sair por causa do cansaço.

Você falou de filmes e cinema: de que tipo você gosta?

Eu gosto de filmes de terror.

Terror?!?

Eu adoro. Gosto de filmes pesados, como Invocação do Mal ou A morte te dá parabéns. Imagina? Eu moro sozinha. Eu assisto essas coisas à noite e depois eu fico pensando: ‘Meu Deus, será que o demônio vai me pegar?’. Aí, eu começo a falar: “Deus, eu escolho Deus’. Só aí eu vou dormir. Eu fico com medo, mas não deixo de assistir”.


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