Medida alemã antiultradireita gera atrito com governo Trump

Medida alemã antiultradireita gera atrito com governo Trump

O Ministério do Exterior alemão tomou na madrugada desta sexta-feira (02/05) a medida incomum de rebater diretamente o secretário de Estado americano, Marco Rubio, depois que o americano acusou a Alemanha de ser uma “tirania disfarçada” após agência de inteligência interna alemã classificar o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) como “organização extremista de direita”.

A disputa também envolveu o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, e o bilionário da tecnologia Elon Musk. A rusga ocorre em momento complicado para a Alemanha, poucos dias antes do 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial e da capitulação incondicional da Alemanha nazista e também a poucos dias da posse do novo governo alemão.

“A Alemanha acaba de dar à sua agência de espionagem novos poderes para vigiar a oposição. Isso não é democracia – é tirania disfarçada”, escreveu Rubio. “O que é verdadeiramente extremista não é a popular AfD – que ficou em segundo lugar nas eleições recentes –, mas sim as políticas letais de imigração de fronteiras abertas do establishment, às quais a AfD se opõe. A Alemanha deveria reverter o rumo.”

Resposta de Berlim

“Isto é democracia. Esta decisão é o resultado de uma investigação completa e independente para proteger nossa Constituição e o Estado de direito”, respondeu no X a conta em inglês do Ministério do Exterior da Alemanha à mensagem de Rubio.

“Tribunais independentes terão a palavra final. Aprendemos com a nossa história que o extremismo de extrema direita precisa ser contido”, enfatizou a pasta, que foi dirigida durante o último mandato pela líder do Partido Verde, Annalena Baerbock, que entregará o cargo ao conservador Johann Wadephul na próxima semana.

Vance, por sua vez, fez referência à Guerra Fria em sua publicação no X. “A AfD é o partido mais popular na Alemanha e, de longe, o mais representativo na Alemanha Oriental. Agora, os burocratas tentam destruí-lo”, escreveu o vice do presidente americano, Donald Trump. “O Ocidente derrubou, unido, o Muro de Berlim. E ele foi reconstruído – não pelos soviéticos ou russos, mas pelo
establishment alemão”, concluiu Vance, que em fevereiro se encontrou desafiadoramente em Munique com a líder da AfD Alice Weidel.

Musk, dono do X, aliado e assessor de Trump, republicou os comentários de Vance e ironizou: “O destino ama ironia”.

Durante a campanha eleitoral, o bilionário da tecnologia apoiou abertamente a AfD, afirmando que só a sigla poderia “salvar a Alemanha”. Musk participou de um dos comícios da legenda através de chamada de vídeo e de uma live com Weidel em sua plataforma X.

Tentativas de “minar ordem democrática”

O Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV) – que já havia classificado várias seções estaduais da AfD como extremistas de direita – afirmou ter agido contra o partido a nível federal devido às suas tentativas de “minar a ordem livre e democrática” na Alemanha.

A classificação concede às autoridades maiores poderes para monitorar o partido, reduzindo as barreiras para medidas como interceptação de chamadas telefônicas ou infiltração de informantes.

A AfD criticou a medida como um “golpe duro” para a democracia, poucos meses depois de ter ficado em segundo lugar na eleição federal em fevereiro. A legenda prometeu entrar com recurso judicial.

Os colíderes da AfD, Alice Weidel e Tino Chrupalla, afirmaram em um comunicado que o partido está “sendo publicamente desacreditado e criminalizado” e que a decisão tem “claramente motivação política”.

A agência de inteligência afirmou que a AfD “visa excluir certos grupos populacionais da participação igualitária na sociedade”.

Em particular, a AfD não considera cidadãos alemães com origem migratória de países com grande população muçulmana como “membros iguais do povo alemão”, acrescentou o órgão.

Apelos pela proibição do partido

A designação reacendeu os apelos pela proibição do partido na Alemanha, antes da posse do conservador Friedrich Merz como chanceler na próxima terça-feira, liderando uma coalizão com o Partido Social-Democrata (SPD) de centro-esquerda.

Lars Klingbeil, do SPD, que deverá se tornar vice-chanceler e ministro das Finanças na coalizão, disse que o governo consideraria proibir a AfD.

“Eles querem um país diferente, querem destruir nossa democracia. E devemos levar isso muito a sério”, disse ele ao jornal Bild. Ele acrescentou, no entanto, que nenhuma decisão precipitada seria tomada.

O futuro novo ministro do Interior, Alexander Dobrindt, disse que a ação da agência de espionagem “inevitavelmente significa que haverá mais vigilância sobre a AfD”.

AfD ganha votos com temor sobre imigração

O partido, fundado em 2013, ganhou popularidade capitalizando os temores sobre a migração enquanto a Alemanha sofria com recessão.

A legenda obteve mais de 20% dos votos nas eleições de fevereiro, um resultado recorde e atrás apenas do bloco de centro-direita CDU/CSU de Merz.

Pesquisas de opinião recentes colocam o partido empatado ou até mesmo ligeiramente à frente da aliança CDU/CSU.

O partido tem enfrentado polêmicas frequentes. Um membro importante foi condenado por usar um slogan nazista proibido e outros foram criticados por minimizar as atrocidades nazistas.

A sigla também enfrentou alegações de laços estreitos com a Rússia. Esta semana, um ex-assessor de um parlamentar europeu da AfD foi acusado de suspeita de espionagem para a China.

Em um país ainda assombrado por seu passado nazista na Segunda Guerra Mundial, os outros partidos do establishment prometeram não governar ou cooperar com a AfD.

Merz rompeu essa chamada “barreira de proteção” durante a campanha eleitoral, confiando no apoio da AfD para aprovar uma moção parlamentar não vinculativa exigindo medidas de imigração mais rígidas. Isso gerou revolta generalizada e protestos em todo o país.

Desde então, ele insiste que não trabalhará com a AfD.