23/06/2020 - 10:01
Medellín conseguiu manter a pandemia de COVID-19 sob controle. O prefeito Daniel Quintero atribui esse sucesso ao rastreamento dos contágios e a uma plataforma que armazena os dados cedidos por milhões de pessoas. O que para ele é motivo de orgulho, representa, para outros, um risco ao direito à privacidade.
Com sete mortos e 1.238 casos de contágio, a segunda maior cidade colombiana é uma das menos atingidas pela pandemia na América Latina. O controle do novo coronavírus permitiu atender a doentes de outras regiões e retomar as atividades econômicas e sociais no momento em que óbitos e infecções disparam nos países latino-americanos.
Os números são incomumente baixos para uma cidade de 2,4 milhões de habitantes e densamente povoada. No restante do país, o balanço é de mais de 71.000 casos de contágio e 2.300 mortos desde 6 de março.
“Medellín está se tornando uma referência mundial de como resolver problemas usando o conhecimento, usando informação”, afirmou Quintero, um engenheiro eletrônico de 39 anos.
Em entrevista à AFP, ele explica a estratégia: preparação do sistema de saúde três meses antes de o vírus aterrissar na Colômbia, teste em massa e seu programa “Medellín Me Cuida”, que reúne uma grande base de dados pessoais.
A plataforma permitiu entregar alimentos e subsídios que evitaram que as pessoas saíssem de casa, assim como montar cercos epidemiológicos “a uma velocidade assombrosa”, relata.
A ferramenta foi lançada em 5 de abril, em meio ao confinamento em vigor no país desde 25 de março e cada vez mais flexibilizado desde então. Mais de 3,5 milhões de pessoas estão registradas, incluindo moradores de municípios vizinhos.
“Cada vez que encontramos um caso [positivo], fazemos todo um ‘tracking’, que usa informação, mas também, através de um rastreamento por Bluetooth, sabemos se essa pessoa entrou em um shopping, com quem esteve… E isso torna nossa tarefa muito mais fácil”, explica.
Analistas já levantam questões sobre esse método.
“No pós-COVID, o que vai acontecer com essa plataforma?”, pergunta o especialista em proteção de dados Felipe González, em um debate do jornal “Universo Centro”.
“O que acontece, caso se perca essa informação, ou se ela chegar em mãos de terceiros?”, completa.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista do prefeito Daniel Quintero à AFP.
– Como se conteve a pandemia?
“Quando, em Wuhan, estavam descobrindo que o vírus era transmitido de pessoa para pessoa, começamos a preparar o sistema de saúde, a preparar o pessoal médico, a estabelecer tecnologia de ponta para que o coronavírus nos encontrasse preparados (…) Aproveitamos esse tempo de forma eficiente (…) Segundo, informação. Se você sabe a tempo quem está contaminado, pode isolar essa pessoa e reduzir a velocidade de contágio”.
– Como a informação foi usada?
“É a maior operação de coleta de dados já feita na América Latina, e isso se baseou em confiança. Os cidadãos confiaram nesta prefeitura (…) Disseram: ‘prefeito, aqui tem essa informação de que você precisa para nos ajudar’ (…) A informação nos permitiu melhorar a capacidade para fazer cercos epidemiológicos, mas também deu poder aos cidadãos para se protegerem. Nós enviamos uma mensagem de texto diária para os cidadãos de cada bairro de Medellín, contando a deles quantos contágios têm num raio de 200 metros. À medida que vai aumentando o número de casos, as pessoas vão tomando mais precauções”.
– Como se rastreia?
“Quando tem um infectado, nós sabemos onde mora, georreferenciado, sabemos onde trabalha, georreferenciado, mas também sabemos se pegou o metrô, a que horas pegou o metrô, com quem pegou o metrô. Então, isso nos permite fazer testes. Medellín é a cidade que mais testes faz por caso positivo (…) Fazemos um grande esforço para encontrar os casos de pessoas assintomáticas, que são as que acabam, muitas vezes, contaminando os outros”.
– Muitos temem perder sua privacidade…
“Há, obviamente, um risco muito grande em ter tanto poder. A informação é poder, e não há nenhuma cidade na América Latina que tenha tanto poder quanto Medellín tem hoje, graças ao poder dos dados. Ter informação nos permitiu resolver problemas, mas tem que proteger esses dados para que não sejam usados com outros propósitos (…) A informação que não for necessária será eliminada quando a pandemia acabar (…) Os cidadãos têm o direito fundamental de saber que informação eu guardo deles, mas também de eliminar a informação pessoal, se assim desejarem”.
– Você teme que o vírus volte depois do desconfinamento?
“Levamos o coronavírus muito a sério desde janeiro e não paramos de fazer isso (…) Com a economia aberta, estimamos que vai haver um crescimento no número de contágios. O que nos achamos? Que ganhamos um tempo que nos permitiu proteger, ou melhorar, o sistema de saúde”.