Quando Bia Doria tinha 12 anos e ainda morava em sua cidade natal, Pinhalzinho, interior de Santa Catarina, ela comentou com os pais que um dia deixaria o lugarejo e faria sucesso na cidade grande. À época, ela entalhava pequenas peças em madeira para a decoração de casa. Os pais, com 10 filhos, levavam uma vida modesta. Assim, aos 18 anos, saiu de casa e, com seus 1m80 de altura, foi jogar vôlei pela Sadia, em Criciúma. Aos 29 anos, já no Rio, a estagiária da Embratur conheceu o então presidente da entidade, o paulistano João Doria, com quem casou-se dois anos depois. Agora, trinta anos depois, Bia, artista plástica, vive a experiência de ser a primeira-dama do Estado de SP. Na última semana, dedicada às ações sociais, foi às ruas de São Paulo distribuir cobertores para desabrigados. À ISTOÉ, Bia falou sobre a realidade com a qual se deparou – um mundo, até então, desconhecido para ela.

Na semana passada, em uma das madrugadas mais frias do ano, a senhora foi às ruas de São Paulo distribuir cobertores para desabrigados. Como foi a experiência?

Sim, eu estive no centro de São Paulo para acolher os moradores de rua. Nós já desenvolvíamos ações no sentido de fazer com que as pessoas que vivem desamparadas nas ruas procurassem abrigo nos 104 CTAs (Centros Temporários de Atendimento) ou nas repúblicas sociais, que são os projetos da prefeitura de São Paulo e com a qual fazemos parceria. Já havíamos destinado cobertores e agasalhos aos abrigos, suficientes para todos os 25 mil moradores em condições de rua, mas constatamos que muitos deles não querem ir para os abrigos. Às vezes são até violentos.

Eles se recusam a ir para os abrigos?

Muitos têm o vício de ficar na rua, pelos mais variados motivos, alguns vivem drogados por causa do crack. O fato é que eu levantei os dados e vi que tinha muito abrigo vazio. Como estava muito frio, juntamos três ônibus, fizemos um comboio, com a Defesa Civil, PM, as Secretarias de Assistência Social, Secretarias de Saúde, da prefeitura e do estado, com a coordenação do Fundo Social de Solidariedade que eu presido, para abordar essas pessoas que corriam risco até de morrer. Fizemos a base na Praça da Sé, mas viaturas foram para todos os pontos de concentração dessas pessoas, onde fizemos a distribuição dos agasalhos. Eu fui várias noites. Todas em que as temperaturas ficaram abaixo de 14 graus. A experiência é muito triste.

O que mais a sensibilizou ao ver as pessoas sofrendo com o frio nas ruas?

O que mais me deixou aflita foi ver também crianças dormindo em frias calçadas, sem um único cobertor. Foi de cortar o coração. A maioria sempre foi de homens, mas nos dias em que eu fui à Praça da Sé, por exemplo, vi muitas crianças. E olha que a prefeitura e o estado têm vários programas para assisti-las, mas elas estavam lá em condições degradantes. Então, peguei o endereço delas pelo Google Maps e vi que moravam em casebres em comunidades muito pobres. A maioria me relatou que saiu de casa porque não tinha nada lá, nem cama para dormir, fogão para a mãe cozinhar e não havia comida em casa. Não tinham nem um pano de chão. Por isso optaram pela rua. A rua era melhor que a casa delas. Alguns vendem bombons, arrumam uns trocados. O drama das crianças foi o que mais me chocou.

E o que foi feito com as crianças?

Mandei levá-las para casa e entregar cestas básicas para as famílias. Estamos oferecendo também ajuda aos pais, por meio de programas que os capacitem para o trabalho, cursos de cabeleireiro ou manicure para as mães, de padeiro e pedreiro para os pais. A prefeitura e o estado têm vários cursos para formação de mão de obra.

Por que essas pessoas não querem ir para os abrigos?

Cada pessoa tem um problema diferente, mas a maioria dos homens está lá por causa da bebida ou drogas. Tem caso em que as mulheres mandam eles saírem de casa por causa do vício. O meu projeto inclusive não é entregar os cobertores nas ruas, porque acabam se estragando. Prefiro que eles sejam acolhidos nos abrigos e lá sim disporem dos cobertores, agasalhos e alimentação.

E muitos estão lá por causa do desemprego, certo?

Tem o desemprego também, mas quem está na rua passando frio não é o desempregado. Muitos optaram em ficar nas ruas. Os homens pedem esmolas, algumas mulheres se prostituem. Mas quem está sem emprego normalmente aceita o acolhimento no CTA.

A senhora tem ideia de quantas pessoas moram nas ruas de São Paulo? São mesmo 18 mil?

Realmente eram 18 mil, mas acabei de receber o último censo e eles já chegam a 25 mil. Antes, 80% eram homens e agora há também mulheres e crianças, como falei.

Mas é inegável que o que leva a ter tanta gente carente em São Paulo é o desemprego, não?

Certamente. É por isso que o governador está preocupado com o grande número de pessoas sem trabalho, que foi uma herança dos governos anteriores. Na semana passada, inclusive, o governador lançou o programa ‘Empreenda Rápido’ para oferecer R$ 1 bilhão em recursos, com juros baixos, para que as pessoas usem o dinheiro para abrir ou expandir o negócio próprio. A abertura de uma microempresa gera muitos novos empregos. A preocupação do governador é reduzir os efeitos nocivos do desemprego.

Caso contrário, sem a geração de empregos os governos ficam adotando só políticas assistenciais?

Nós somos contra o assistencialismo. Estamos tomando posturas de assistência social porque elas são necessárias, já que ainda temos muitas pessoas desvalidas. Mas nós temos que bater é na adoção de políticas sociais efetivas. Acabei de participar de uma reunião do governador com o secretário de Habitação, o Flávio Amary, e a determinação foi a do governo ampliar a construção de moradias populares, estimular o empreendedorismo, tirar as crianças das ruas.

A senhora acha que o atual governo conseguirá minimizar o problema dos moradores de rua?

Nós queremos zerar. Queremos acabar com as principais concentrações, sobretudo no Pátio do Colégio, Catedral da Sé, Minhocão, Cambuci, Jabaquara, Cracolândia. Fora do período do frio, vamos agir mais intensamente. Por ora, demos cobertores e abrigo, mas quando passar o frio vamos treiná-los para que voltem ao mercado de trabalho. No interior, o problema não é tão grave. Estive recentemente em São José dos Campos. Identificamos lá 500 famílias que vivem em situação de extrema pobreza e muitas morando na rua. Mas é mais fácil resolver. O problema é São Paulo.

Mas o presidente Bolsonaro disse que não há fome.

Há fome sim. E o problema maior está nas grandes cidades. Nas pequenas, a gente acolhe as pessoas e a própria comunidade, as prefeituras, as igrejas, ajudam. Mas São Paulo é o grande problema. Recebemos de 600 a 1000 pessoas que chegam diariamente aos terminais de ônibus, vindas de outros estados, em busca de emprego. Como não conseguem, acabam virando nossos clientes de assistência social.

A senhora tem ido à periferia?

Sim. Inclusive com base no que vejo, vamos instalando esses serviços básicos. Percebi também a necessidade de oferecer cursos de formação.

Pelo que vemos, a senhora tem se envolvido com o trabalho social, o que não aconteceu no tempo em que seu marido foi prefeito. O que mudou?

Realmente foi um erro meu não ter me envolvido mais na Prefeitura. É que na prefeitura foi extinta a figura de função para a primeira-dama como temos aqui no governo, que é cargo de presidente do Fundo Social. Mas foi um aprendizado porque a prefeitura é a que precisa dessa assistência.

A senhora também sempre se destacou pelo trabalho de artista plástica. Abriu mão?

Não parei não. Continuo fazendo as esculturas, mas em menor quantidade. Não faço mais exposições e estou focada em atender as galerias que me representam. Vou para o meu atelier pela manhã, antes que o trabalho aqui fique mais intenso. O governador vem bem cedo para cá e vou bem cedo para meu atelier, onde produzo minhas obras. A Ópera Galery me representa em 32 países. Então eu preciso atender a demanda, porque depois que deixarmos a política eu tenho que continuar meu trabalho. Só não estou conseguindo atender todas as encomendas, sobretudo das esculturas em mármore.

Julguei que a senhora fizesse esculturas apenas em madeira, árvores mortas na natureza.

Não. Faço muitos trabalhos em mármore. Trabalho dois meios dias por semana, nas segundas e terças. Mas o foco é aqui no governo agora. Como trabalho em parcerias como as primeiras-damas dos 645 municípios do Estado, tenho viajado muito também para o interior.

Quando João Doria era prefeito, a senhora chegou a dizer que seu marido trabalhava tanto que a senhora havia perdido o marido, mas a cidade ganhara um prefeito. E agora, isso mudou?

Ele trabalha tanto que eu continuo sem marido. Na verdade, ele sempre trabalhou muito, mesmo quando era só empresário. O pior de tudo é que agora, ao me envolver demais com o trabalho no governo, meus filhos perderam a mãe também

Em dois anos, seu marido se elegeu prefeito de São Paulo e governador do estado. Quais foram seus méritos?

O João é focado no trabalho. Tão focado na administração de São Paulo que deixou meu filho, o João Doria Neto, de apenas 24 anos, cuidando das empresas.

Seu marido quer ser candidato a presidente da República. A senhora apoia essa ideia?

Você acha que ele quer? Não sei. Agora, condições para ser candidato a presidente eu sei que ele tem. O João pensa grande. Quer fazer as coisas bem feitas agora, mas sempre pensando no que pode fazer de melhor lá frente. Então, ele está preparado.

E o presidente Bolsonaro, como a senhora avalia o governo dele?

Eu torço para que o Brasil dê certo. Apesar dos problemas, o País está melhor do que antes.