02/10/2020 - 16:59
Suas obras têm faixas grandes e retangulares, com cores bem selecionadas para expressar emoções. Seus tons de vermelho são notáveis em comparação com os marrons, pretos e ferrugens mais sóbrios que aparecem em muitas de suas obras. Ele é Mark Rothko (1903 – 1970), um importante artista russo-americano que é considerado o papa do expressionismo abstrato. A propósito, ele sempre rejeitou esse rótulo e não aceitava a classificação de pintor abstrato.
Em 1913, mudou-se da Rússia para os Estados Unidos com a mãe e a irmã para se estabelecer em Portland (Oregon), onde já se encontravam seu pai e seus irmãos. Estudou no Lincoln High School de Portland e depois na famosa Universidade de Yale. Rothko era um intelectual, extremamente culto. A amava música e literatura, elencando filosofia, Nietzsche e mitologia grega como seus temas preferidos.
Foi influenciado por Henri Matisse e criou um estilo único de pintar, despertando a atenção de muitos colecionadores de arte. A década de 1960 ficou marcada como seu grande período de encomendas, incluindo pedidos da Universidade de Harvard e da Marlborought Gallery de Londres. Mesmo sendo de origem judaica, foi convidado para pintar a Capela em Houston, mas a vida pregou uma peça. Ele teve um aneurisma na veia aorta e teve que interromper seu trabalho.
No final dos anos 1940, direcionou seu trabalho para um estilo clean, com campos de cores e tons indecisos em superfícies que dão a sensação de movimento. Admirar suas obras é como entrar em uma outra dimensão. Sua arte alivia o vazio espiritual do homem moderno, explorando a espiritualidade. Suas telas, com formas flutuantes e retângulos suspensos brilhantes, criam uma conexão profunda com quem as observa. Além disso, suas obras não apenas expressam a emoção humana, mas também estimulam experiências psicológicas e emocionais. “A pintura é uma experiência”, ele dizia.
Sempre adorei o trabalho de Rothko e suas reflexões. Assim como eu, ele acreditava que a arte era uma forma poderosa de comunicação. Dizia que o fato de muitas pessoas desmoronarem e chorarem quando confrontadas com obras mostra que é possível comunicar emoções humanas básicas por meio da arte.
Embora acreditasse que suas obras falavam por si mesmas -e rotineiramente ridicularizava os críticos de arte que tentavam rotular sua técnica- isso não o impediu de desenvolver suas próprias teorias sobre o poder da arte e um processo criativo totalmente diferente do que se tinha na época. Ele não tinha medo de aconselhar artistas a expressarem suas emoções para conseguirem desenvolver sua arte, mergulhando no subconsciente para se libertarem das restrições. Rothko rompeu com os limites da representação, construindo incursões na abstração iniciadas por modernistas como Wassily Kandinsky. Sua arte tem cores, tons e gestos como evocações da própria mitologia em movimento. Para ele, a pintura mais interessante é a que expressa mais o que se pensa e do que o que se vê. Simples assim.
Embora fosse um mestre da cor e dos retângulos monocromáticos, enfatizava que sua obra não tinha uma paleta seletiva. Transmitia grandes emoções por meio da abstração, estimulando as experiências emocionais íntimas e profundas do espectador. Ironizava, falando que não pintava para historiadores, mas, sim, para seres humanos. Por isso, muitas de suas obras não têm títulos, deixando para cada um a interpretação que desejar, dentro de seu campo de visão e conforme sua capacidade emocional. Rothko tinha também uma visão crítica sobre o ego dos artistas, questionando o egocentrismo e a falta de conexão com o público. “Eu não me expresso em minhas pinturas. Eu expresso meu não-eu”, dizia.
Mesmo sendo de origem ortodoxa judaica, ele não era praticante. Portanto, adorou ser convidado, em 1964, para pintar o interior de uma capela em Houston (Texas – EUA). O local é sensacional e hoje é conhecido como Rothko Chapel. As pinturas demoraram três anos para serem produzidas e, parte do tempo, ele trabalhou em andaimes, no estilo de Michelangelo quando produziu a Capela Sistina. Para Rothko, a capela era uma oportunidade de realizar sua grande ambição: ter um amplo espaço exclusivo para suas pinturas. Além da licença artística cedida pela comissão da capela, o projeto também prometia uma apoteose para o desejo de longa data de Rothko de evocar respostas religiosas e espirituais de seus espectadores.
A capela fica separada da Universidade de São Tomás, uma instituição católica, e não é um local confessional. As 14 telas do interior espelham as estações da Cruz, indicadas no seu exterior. Por insistência de Rothko, a planta da capela ganhou formato octogonal, utilizado anteriormente pela igreja ortodoxa russa e por alguns batistérios italianos. As pinturas evocam precedentes cristãos. Nas paredes norte, leste e oeste da capela, as obras incentivam o olhar de perto, com devoção. Na ala sul, há um único painel com um retângulo preto definido em marrom, relembrando a colocação de cenas do Juízo Final.
A aposta de Rothko foi arrojada, pois na década de 60 a religião nos Estados Unidos estava começando a mostrar sinais de declínio. Ele fez uma tentativa deliberada de controlar as convenções religiosas, tentando criar um ambiente no qual as pinturas fossem abordadas com o mesmo medo e tremor que um Juízo Final. Em vez de rejeitar as crenças do Cristianismo, Rothko convida os visitantes a explorarem seu trabalho sob a tradição cristã, com diferentes expectativas visuais e espirituais. Uma amiga me disse que a igreja vai receber nova claraboia e um novo esquema de iluminação para dar destaque para as obras (assim que conseguir ver pessoalmente, adorarei contar sobre essa nova experiência).
A capela é uma das mais importantes dos Estados Unidos e da arte mundial. Foi palco de várias manifestações culturais e em prol dos direitos humanos. Dalai Lama, Nelson Mandela e muitos outros líderes fizeram visitas memoráveis ao local, que é hoje um símbolo multicultural de expressão, inclusive pela quantidade de textos sagrados que reúne. Se visitar o local, escolha um dos bancos, pegue uma cópia do Tanakh e mergulhe em suas emoções sentado à frente de uma imensa pintura de Rothko.
Interessante ter esse movimento de arte em locais sagrados. Engana-se quem acha que isso acabou no século XVII na Itália. Depois de Rothko, o Texas despontou com vários locais e muitos artistas contemporâneos receberam encomendas religiosas importantes, como Shirazeh Houshiary, Gerhard Richter, Sigmar Polke, Bill Viola, Anthony Caro, Antony Gormley e David Hockney. Em 2021, terminará a reforma da Capela Nevelson, da Igreja Luterana de São Pedro, instalada no centro de Manhattan (NYC). Louise Nevelson, amiga de Rothko, é quem trabalhou nas obras desse centro imersivo.
Infelizmente, Rothko não viu a conclusão da capela. Brigou contra a depressão durante toda a vida e se suicidou em 1970, antes da instalação final de suas pinturas em Houston, perdendo, assim, a chance de aproveitar a maior aventura de sua vida. Sua morte ganhou repercussão mundial e chegou a ser classificada como seu grande sacrifício pela verdade espiritual.
Em um de seus primeiros ensaios, “Novo treinamento para futuros artistas e amantes da arte” (1934), Rothko destacou os benefícios criativos de explorar a arte como uma criança, de forma instintiva e sem ser obrigado a seguir o olhar dos especialistas. Sensacional essa proposta de olhar as formas e os arranjos pictóricos sem conhecer previamente as regras geométricas ou as de perspectiva óptica. Por isso, se você tem um filho ou um neto, tente um dia programar uma visita a um museu ou dê uma boa navegada na Internet para observar a obra de Rothko. Bem curioso fazer a leitura de um quadro em dupla e descobrir o que a obra transmite para uma criança. Tenho certeza de que você ficará surpreso como as crianças são sensacionais por externarem seus sentimentos e falarem o que realmente pensam. Depois me conte como foi essa experiência. Estou no Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.