As afirmações da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de que “não existe conciliação para questão técnica” irritaram a cúpula da Advocacia-Geral da União (AGU). Marina fez o comentário após parecer emitido na terça-feira, 22, pela AGU, que abriu caminho para a Petrobras explorar petróleo na foz do rio Amazonas. O assunto virou uma ruidosa disputa dentro do governo Lula.

“Nós não podemos praticar negacionismo jurídico para cumprir propósitos políticos”, disse o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, cotado para assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).

Nos próximos dias, a Câmara de Conciliação da AGU encaminhará um ofício para os ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia, Ibama, Petrobras e outras repartições envolvidas na queda de braço. A ideia, que conta com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é oferecer essa “expertise” para mediar um acordo.

Marina e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, já avisaram, porém, que não aceitam tal mediação. “Não existe conciliação, não existe acordo em licenciamento ambiental. Não é ‘Casas Bahia'”, ironizou Agostinho.

O parecer da AGU sobre o processo de licenciamento para a perfuração do bloco 59 – localizado na chamada Margem Equatorial, a 175 quilômetros da foz do Amazonas – recomenda a conciliação entre as partes. A conclusão contrariou o Meio Ambiente, mas a AGU espera agora uma resposta formal sobre sua oferta.

Messias afirmou que é preciso recuperar a política como “espaço nobre” para solução de conflitos. Ao se referir à disputa que opõe o Meio Ambiente e Minas e Energia, o ministro assinalou que estava falando de um caso que tramita na administração pública há pelo menos 11 anos.

“É um exemplo de insegurança jurídica, uma vez que foi um acordo fechado, ações que tramitam em Bolsa. E nós temos um instrumento do próprio Estado para a solução de controvérsias”, disse Messias, ao avaliar que é possível conciliar desenvolvimento e sustentabilidade. “Ninguém do governo tem o monopólio da verdade nem de questões técnicas”.

Na prática, o imbróglio se transformou em cabo de guerra dentro do governo. Lula dará a palavra final. No início deste mês, ao responder a uma pergunta sobre o impasse, o presidente afirmou que quer “continuar sonhando” com a exploração de petróleo na foz do Amazonas.

Ministro de Minas e Energia diz que não pode haver ‘tabus’

A entrada da AGU no caso ocorreu após pedido do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, como antecipou o Estadão. “Não pode haver tabus”, insistiu Silveira. “Não existe dicotomia entre meio ambiente e desenvolvimento econômico.”

Em 17 de maio, o Ibama negou pedido da Petrobras para atividade de perfuração marítima na bacia da foz do Rio Amazonas, sob a alegação de que a companhia não conseguiu comprovar a proteção da diversidade biológica e a segurança de comunidades indígenas da região. A Petrobras solicitou a reconsideração da análise, mas o Ibama ainda não respondeu.

Na terça-feira, 22, a AGU destacou que a realização de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não pode inibir o licenciamento para a exploração e produção de petróleo e gás natural no País. Na lista de justificativas do Ibama para rejeitar o pedido da Petrobras estava justamente a necessidade de realização de estudos de caráter estratégico (AAAS) na bacia da foz do Amazonas, entre outras exigências.

Marina vai deixar o governo Lula?

Foi por isso que as afirmações de Marina, após o parecer, causaram estranheza e mal-estar na Advocacia-Geral da União. “A questão da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar é uma ferramenta de planejamento, que ajuda nos processos de licenciamento, na feitura do termo de referência, mas não é condicionante para dar ou não a licença”, observou Marina.

Nos bastidores, integrantes da AGU disseram ao Estadão que Marina desmereceu o trabalho da Advocacia-Geral da União, sem perceber que aquele parecer representava a tentativa de “jogar uma boia” para que o Meio Ambiente fizesse novas exigências de correção de rota à Petrobras.

O Estadão apurou que Marina não pretende deixar a equipe de Lula, mesmo se sofrer novo revés, como tudo indica. Há três meses, o Meio Ambiente foi desidratado e perdeu atribuições após votação no Congresso que contou com o peso do Centrão. Procurada, a ministra não se manifestou.

Entidades ambientalistas querem agora desencadear uma campanha contra a prospecção de petróleo na foz do Amazonas. No último domingo, 20, um referendo no Equador também foi nessa direção e decidiu que o governo deve suspender a exploração de petróleo numa parte da Amazônia, na fronteira com o Peru.