Dick Farney não foi para a guerra, mas poderia. Depois da primeira batalha contra o pai, deixando os estudos de piano clássico para tocar o mundano cancioneiro americano de Nat King Cole, Frank Sinatra e Bing Crosby, a segunda luta seria para adquirir outro direito: cantar nas rádios. E para lá ele foi, sob o pseudônimo de Tom Morgan.

Dick cabulava aulas para ir aos estúdios da Rádio Mayrink Veiga. Foi por lá que Ciro Monteiro o conheceu e Carmen Miranda o viu com olhos grandes. Apresentado como Tom Morgan, Dick só não poderia enganar os ouvidos e o coração da mãe Iracema. Quando ouviu o timbre do filho pelo rádio de casa, ela ameaçou desmaiar. Depois se recompôs, ligou para Carmen Miranda e pediu ajuda. “Mandem o Dick para casa, por favor.” Depois de saber que o filho tocava Nat King Cole, em vez de Chopin, seu pai teria de engolir que ele também cantava em inglês.

Mais uma vez, Eduardo se rendeu ao destino que se impunha com mais força do que seus punhos de boxeador de luta greco-romana. “Se é para cantar, faça isso direito.” Sob ordens de Eduardo, Dick seguiu a um estúdio para gravar duas músicas orquestradas que haviam sido conhecidas na voz de Bing Crosby. A gravação foi feita e levada à Mayrink Veiga para apreciação dos diretores. “Os caras da rádios ficaram assustados, pensaram que fosse mesmo o Crosby”, conta a sobrinha.

Aos 17 anos e falando seis línguas, incluindo o grego, Dick recebia sua primeira proposta de contrato. Em seu Dick Farney’s Show, iria apresentar sempre duas canções em inglês e levar convidados.

A próxima batalha de Dick Farney também segue praticamente desconhecida dos livros. Soldado Farney se alistou no Exército brasileiro cheio de vontades para ser enviado ao front da Segunda Guerra Mundial. Isso em 1942, quando já era famoso e contava com as graças dos fãs ilustres do clube Sinatra-Farney. O pai, de novo, entrou em pânico. Quis falar com Getúlio Vargas e o diabo para evitar aquela insanidade do jovem, mas Farney pediu que não. Queria dar um exemplo de patriotismo defendendo os aliados contra as forças de Hitler. “Histericamente organizado”, como definia o pai, Dick gosta da vida militar, mas não foi ao front nem sob o pedido da marinha americana, que pretendia tê-lo cantando para os combatentes. Getúlio, atendendo ou não o pai, negou o pedido dos Estados Unidos.

A sedução de Farney entre os militares não termina aí. As Forças Armadas americanas mandavam gravadoras da época imprimir discos especialmente para distrair seus soldados, e um deles foi com canções de Dick Farney. Mais de 1 milhão de V Discs (discos da vitória) foram mandados às vitrolas de combatentes da Segunda Guerra com a voz de Farney, o único brasileiro a aparecer em uma raridade dessas. “É um disco que toca ao contrário, de traz para frente”, diz o pesquisador Zuza Homem de Mello, que tem dois desses exemplares. Zuza, por sinal, será o próximo a jogar luzes sobre Dick, assim que lançar seu livro que vai contar a história do samba-canção e que terá um capítulo reservado a Dick Farney.