“Eu mesma já senti vergonha do meu corpo, quando adolescente”, disse a quadrinista sueca Liv Strömquist, ao lançar no ano passado, A Origem do Mundo (Companhia das Letras).

O livro resgata, com humor afiado, a história da mulher e seu corpo, que vai da culpa por ter mordido o fruto proibido, que manteve os portões do Paraíso fechados, até os embates políticos e sociais dos dias de hoje. De olho na publicação, a atriz brasileira Mariana Senne pega carona no bom humor da sueca e estreia Vulva, uma “palestra-performance”, na programação da 6ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.

Se a publicação elege momentos históricos em que a mulher foi oprimida ou impedida de se expressar, Mariana diz que não precisa ir muito longe. “Já faz tempo que o homem descobriu outros planetas e até pisou na Lua. A parte do corpo da mulher conhecida como clitóris teve seu tamanho descoberto por volta de 1998”, afirma. Antes de tudo, a atriz lembra que o espetáculo é feito para as mulheres, para os homens também, e para os maiores de 18 anos.

Segundo a atriz radicada em Berlim, as diferenças anatômicas entre homem e mulher também explicam como elas são vistas na sociedade. “Diferente do que se pode imaginar, a vulva é a parte do órgão sexual que está exposta. Não é tudo para dentro, mas do lado de fora do corpo, assim como nos homens.”

Outro ponto da montagem é o debate sobre menstruação. Na obra de Liv, a quadrinista faz uma paródia da escultura de O Pensador, de Rodin, e apresenta uma mulher sentada, deixando de lado “o homem musculoso absorto em pensamentos”, na imagem tradicional da escultura, e representa uma menina na mesma posição “graciosamente atormentada pela cólica menstrual, mergulhada numa profunda melancolia de TPM.” Para Mariana, não é ingênua a forma como se vendem absorventes, por exemplo. “As palavras que você mais encontra na embalagem é segura e protegida? Mas segura de quê ou protegida contra quem?”, questiona.

Algumas pistas surgem diante do entendimento de que a vida da mulher deve seguir e manter seus papéis tradicionais como dona de casa e mãe, aponta a atriz. “O fato de estar ‘segura’ e ‘protegida’, como diz o produto, é para impedir que alguém descubra que estou naqueles dias, porque a mulher tem que estar bem, feliz com tudo e com todos.”

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Em uma das cenas, a atriz, que compartilha o palco com Laura Salerno, brinca com os muitos nomes dados à vagina e cobre todo o seu corpo com absorventes. Ao lidar com o desconforto que possa surgir, a atriz diz que o choque não deveria vir do tema abordado, mas das informações trazidas. “De alguma forma, a peça pode tocar em temas como aborto, violência doméstica e assédio. E, para mim, esses não são assuntos das mulheres, mas dos homens”, defende Mariana.

Antes de se radicar em Berlim, onde mora há quatro anos, a atriz integrou a Cia São Jorge de Variedades, por mais de dez. O coletivo encerrou suas atividades na Barra Funda em 2017, marcando um período de fôlego na criação de espetáculos que resgatavam memórias do bairro e registravam suas transformações.

Em Barafonda (2012), o mito das Bacantes, a celebração das mulheres devotas de Baco, servia de inspiração para uma maratona que durava quatro horas por diversos pontos do bairro. Para ela, o feminismo tem alcançado diferente perfis de mulheres, o que pode sugerir a força de uma pauta capaz de movimentar a indústria do cinema, por exemplo, com as denúncias de casos de assédio, algo que ganhou repercussão em Hollywood e promete se pulverizar em outros ambientes. “Aqui não é novidade falar que nenhuma mulher se sente segura andando sozinha à noite. Por outro lado, não vamos colocar o avental e voltar para a cozinha, de maneira obediente”, diz.

Se o riso pode ajudar a entender questões de hoje e de ontem, Mariana também faz apostas no futuro. “São as mulheres que continuam criando os filhos, as próximas gerações.”

VULVA

Teatro Sérgio Cardoso.

R. Rui Barbosa, 153. Tel.: 4003-1212. 6ª, 17h, sáb., 19h, 21h30.

Até 23/3. R$ 40 / R$ 20

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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